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1884: ANO DE OURO DE GUIMARÃES
Por António Loureiro (Professor), em 2014/02/03755 leram | 0 comentários | 125 gostam
No ano de 1884, ou seja há 130 anos, Guimarães vivenciou três momentos especiais da sua vida histórica, considerados como um ano de ouro da cidade: o decreto de criação da Escola Industrial, em 3 de Dezembro; a chegada do comboio, em 14 de Abril;
A ESCOLA INDUSTRIAL

De facto, data de 3 de Dezembro de 1884 o decreto que dá por “creada na cidade de Guimarães uma escola industrial que tem por fim ministrar o ensino appropriado às industrias predominantes naquella localidade, devendo ser ensino eminentemente practico”. Deste modo, seria atribuído à escola o nome de Francisco de Holanda (1517-1585), grande vulto e humanista do Renascimento português que se distinguiu como ensaista, crítico de arte e historiador, mas sobretudo como artista (arquitectura, escultura, desenho e pintura).
Inicialmente,contudo, a escola viria apenas a funcionar em 14 de Janeiro de 1885 (após gorada tentativa de compra do campo do Proposto para construção do edifício), na circunstância numa casa da Rua Paio Galvão e que segundo o citado decreto “comprehenderá as seguintes disciplinas: arithmetica, geometria elementar e contabilidade industrial” a que se ajuntariam a “chimica industrial” e “a cadeira de desenho industrial, actualmente já existente na cidade de Guimarães”.
Nessa época, a escola funcionava com cursos diurnos (10-11,30 horas): para os rapazes às segundas, quartas e sextas e para as raparigas às terças, quintas e sábados. Existiam também aulas nocturnas (18,30-20 horas) para os alunos de ambos os sexos, maiores de 12 anos.
 Tempos bem diferentes dos de hoje …

O COMBOIO NOVO

Por seu turno, o comboio chegou pela primeira vez a Guimarães, à estação de Vila Flor, em 14 de Abril de 1884, após longas reivindicações e lutas encetadas desde 1865. Nessa festa inaugural, um comboio com 22 carruagens partiria da Trofa, rebocado pelas máquinas “Vizela” e “Negrelos” , com a Banda Filarmónica de Vizela e cerca de um milhar de convidados a bordo, chegando a Guimarães alguns minutos antes das 11 horas da manhã.
Assim relata o evento Manuel Alves de Oliveira, no seu livro “Lá vem o Comboio Novo”:
“Às onze menos alguns minutos ouvia-se em Vila Flor a primeira girândola de foguetes e dali a pouco a locomotiva, toucada de flores e bandeiras, com a sua cauda majestosa de vinte e duas carruagens fazia a sua entrada triunfal na estação ao som de músicas, estrondo de numerosíssimos foguetes e de ferventes e ruidosos vivas e saudações.
Mil pessoas aproxinadamente vinham no comboio dominadas todas do mais vivo entusiasmo e uma multidão de dez a doze mil esperava de braços abertos e peitos comovidos”.
A festa prosseguiria ainda noite fora, como o refereria o periódico “O Espectador” na sua edição de 17 de Abri:
“O dia passou-se todo em festas as mais ruidosas e alegres até que a noite nos vem oferecer novas surpresas. A cidade geralmente iluminada rebrilhava em esplenderosas iluminações principalmente no jardim e Campo do Toural e no Largo da Oliveira, distinguindo-se aqui a Casa da Câmara e o edifício do Hotel de Guimarães, que ofereciam um aspecto fantástico e deslumbrantíssimo. Duas músicas tocavam em coretos no Campo do Toural, outra na Oliveira, e outras ainda percorriam as ruas da cidade. No Campo de S. Francisco, elegantemente ornado, apinhava-se a multidão para ver dali o fogo de artifício, que se queimava abundantemente no local da estação”.
Desde esse dia, que seria antecedido pela ligação da Trofa a Vizela, em 31 de Dezembro de 1883, muitos marcos importantes se passaram na linha de Guimarães, detalhadamente documentados na obra “Memórias do Comboio de Guimarães – a história, o património e a linha” de Casimiro Silva e Samuel Silva. Com efeito, posteriormente, em 21 de Julho de 1907, a linha seria alargada até Fafe e mais tarde fechada, já no início deste século. Nesta época e após o encerramento da via estreita em 2002, a linha de Guimarães seria ulteriormente renovada e reaberta em via larga, em 19 de Janeiro de 2004, antecedendo a realização do Euro-2004, que contaria com Guimarães como uma das cidades organizadoras.
Paralelamente, a chegada do comboio à estação de Vila Flor proporcionaria também a construção da atual Avenida D. Afonso Henriques, outrora denominada Avenida do Comércio. De facto, no Relatório da Companhia do Caminho de Ferro de Guimarães de 1888, lamentava-se que “ a nossa estação principal em Guimarães, depois de 4 annos de abertura do seu caminho de ferro, liga a cidade por um pessimo caminho, antes carreiro, em condições tais, que difficulta extraordinariamente o transito, sobrecarregando o preço do transporte, apesar da estação estar a menos de 600 metros do largo do Toural”. Deste modo e uma vez que a Avenida da Indústria (atual Avenida D. João IV) fazia a ligação a Fafe, este novo eixo urbano viria a ser aprovado em 1889 e as obras iniciadas 2 anos mis tarde, embora apenas acabasse por abrir ao trânsito publico em 30 de Dezembro de 1900.
   
A EXPOSIÇÃO INDUSTRIAL DE GUIMARÃES

Inaugurada pelas 11 horas da manhã do dia 15 de Junho de 1884, a Exposição Industrial de Guimarães, decorrida no Palácio de Vila Flor, foi na época um dos acontecimentos mais marcantes do burgo vimaranense, na qual a Sociedade Martins Sarmento e Alberto Sampaio, eleito sub-presidente da comissão executiva, teriam papéis fundamentais. Concretizada como “um ponto de partida e principalmente o primeiro passo para a reorganização das antigas indústrias de Guimarães” seria posteriormente encarada “como a única resposta à preterição que o poder central nos fizera”. Assim, na categoria dos têxteis (linho, tecidos e cotins),vestuário (confecções, chapelaria, sirgueiros, alfaiates), metalurgia (serralharia, caldeireiros, latoeiros e funileiros) e outras indústrias, entre as quais se incluiria o papel, a marcenaria, a tipografia, a encadernação, a fotografia,a relojoaria, a colchoaria, os espinguardeiros, os segeiros e fabricantes de cera, cola e sabão, a cidade mostrou o que produzia de melhor, que passava também pelos couros curtidos, o calçado, selas e selins, flores e frutas artificiais, a tinturaria, os bordados, os pentes e artigos de chifre e as cutelarias, mas também as farinhas e confeitaria, as mobílias e madeiras, as carruagens e a olaria.
Exposição que seria também um dia de festa e que faria deslocar à cidade dois comboios especiais, com os convidados a serem recebidos pelos Bombeiros Voluntários e uma banda de música que tocava o hino real, como o reporta o jornal “Primeiro de Janeiro” , referindo-se ao dia da inauguração:
“As bandas executaram de novo marchas militares; na cidade os sinos repicaram, subiram alto os morteiros. D’ahi a pouco a multidão invadia as salas do edifício. Do lado da fachada principal do palácio, que defronta com o parque e com a cidade, era grande o concurso de visitantes. Fazia um calor ardentíssimo e, todavia, os habitantes da cidade e povos circumvizinhos affluiam em massa ao local de certâmen”.
Seguir-se-iam os discursos da praxe do Barão do Pombeiro, presidente da comissão central e do Presidente da Câmara, Dr. Motta Prego, que em suas alocuções felicitariam o papel da Sociedade Martins Sarmento neste empreendimento e o arrojo deste concelho de província em levar a cabo a iniciativa.
Uma exposição que acabaria por atingir os seus objectivos políticos , conforme se depreende das palavras do delegado do governo, Jerónimo Pimentel, que no seu encerramento , em 26 de Julho, a reconhecia como demonstrativoa da “riqueza industrial do concelho e da pouca attenção que entre nós merecia o ensino profissional”.
Realmente, desde séculos anteriores à Exposição Industrial que Guimarães se vinha afirmando no plano económico, em termos inovadores para a época. Por exemplo, data de 1535, nas Cortes de Évora, o reconhecimento do rei D. João III da importância de Guimarães, ao criar doze mesteres nesta (então) vila, dando-lhes regimento. Em 1691, é concedida provisão a uma fábrica de tecidos brancos,de toalhas e guardanapos adamascados, fustes de algodão, lenços para a cabeça em linho e algodão e folhos de cambraia e em 1778 a Câmara confirmaria os estatutos dos cuteleiros e dos bainheiros. Novas provisões régias são concedidas em 1792 a uma fábrica de fitas de seda e em 1794 para tolhas e guardanapos. Documentos vários comprovam ainda uma fábrica de tremóias e fitas de seda estreitas em 1797 e em 1802 Francisco Moreira de Sá obtém aviso régio para fundar uma fábrica de papel de vegetais. Ainda no século XIX, em 1811, seria autorizada a construção de mais uma grande fábrica de cutelarias e quatro anos depois uma fábrica manual de tecidos com mais de doze teares. Esse empreendedorismo prosseguiria em 1819 com uma fábrica de cutumes de bezerro e a criação de uma tinturaria, em 1833, na Rua de Santa Luzia. Duas outras datas marcantes deste progresso industrial seriam ainda a criação da Real Fábrica de Tecidos de Linho, Lã e Algodão, em 1869 e a inauguração de uma fundição a vapor, em 1874. E no ano seguinte à Exposição Industrial de Guimarães, é pela primeira vez é criada em Portugal uma fábrica com os célebres teares Jacquart, que seria instalada em Guimarães.
A freguesia de Urgezes está intimamente ligada a essa mecanização da indústria. De facto, em 1886 estava “muito adiantada a construção da fábrica de tecidos dos muito accreditado negociante desta cidade António da Costa Guimarães, o homem que juntamente com seu caixeiro Manuel Pereira Bastos (ambos consagrados n toponímia local) constituiriam o núcleo inicial da Fábrica do Castanheiro. Várias se seguiriam como a Companhia de Fiação e Tecidos de Guimarães (1890) ou a Fábrica a Vapor de Tecidos de Guimarães (1897), entre outras.

1884 seria de facto um ano de ouro em Guimarães, impulsionado pelo seu passado empreendedor e vanguardismo dos seus dirigentes de então. Mas também um ano de transição para um futurodiferente.
Futuro que hoje passa pela inovação das indústrias tradicionais e novas indústrias …Mas também pelo seu reconhecimento como berço da nação e consagração do seu Centro Histórico como Património Cultural da Humanidade (2001) e recentemente Capital Europeia da Cultura (2012).

De: Álvaro Nunes





 












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