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Comemoração do Centenário da Morte "João de Meira"
Por António Loureiro (Professor), em 2013/12/042194 leram | 0 comentários | 198 gostam
Perpassa este ano o centenário da morte de João de Meira (1881-1913), personalidade ímpar, eclética e multifacetada, que nos deixou um legado valioso no âmbito da medicina, investigação histórica, jornalismo e na escrita.
Com efeito, na manhã do dia 24 de Setembro de 1913, faleceria na freguesia de Gominhães, em Guimarães, João Monteiro de Meira, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, que o conceituado jornal Primeiro de Janeiro noticiaria em suas páginas. Aos trinta e dois anos de idade, desaparecia prematuramente uma das inteligências e eruditos mais fulgurantes do seu tempo, que se encontra consagrado intemporalmente na toponímia vimaranense e no agrupamento de escolas homónimo, nesta cidade e que recentemente mereceu uma exposição e um colóquio alusivo à sua vida e obra na Sociedade Martins Sarmento, instituição que fora dirigida pelo seu pai e da qual João de Meira era frequentador habitual.
João de Meira nasceu em 31 de Julho de 1881, na rua D. João I, filho de Joaquim José de Meira, médico-cirurgião e personalidade de destaque na vida social, cívica e política vimaranense. Passou sua juventude em Guimarães e na propriedade dos avós paternos, na freguesia de Gominhães, tendo frequentado o conceituado Colégio de S. Dâmaso (instalado no antigo Convento de Santa Marinha da Costa), em que foi aluno distinto na Matemática, Física e Inglês, tendo inclusive recebido um prémio de mérito literário.
De facto, com uma cultura literária e científica invulgar na sua idade, Meira era um apaixonado pelos livros de Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins e especialmente Camilo, assim como lhe eram familiares as obras as melhores obras literárias estrangeiras, que geralmente lia nos originais. Poetas como Antero de Quental e Cesário Verde são também suas referências essenciais, que procura imitar em seus versos.
Conta-se assim entre a sua vasta produção escrita, a colaboração assídua na “Revista de Guimarães”, nos “Arquivos da História da Medicina Portuguesa”, na “Gazeta dos Hospitais”, nos “Anais Científicos da Faculdade de Medicina” e na a direcção interina da “Morgue”. No entanto, para além da sua produção científica, deve-se-lhe ainda a fundação do jornal vimaranense “O Independente”, que inicialmente assumiu uma feição literária, no qual escreveria contos cheios de originalidade, poesias diversas e posteriormente textos de jornalismo político de teor polemista. Em separata desse jornal reuniria ainda as cartas inéditas de Camilo a Martins Sarmento e publicaria também um interessante folheto intitulado “As influências estrangeiras em Eça de Queirós”. Por seu turno, entre as suas narrativas literárias, destaca-se o conto fantástico, de cariz policial, intitulado ”Um cadáver evadido da Morgue”, recentemente publicado pela Sociedade Martins Sarmento sob o título “O cadáver que se evade” e a curiosa novela “Eusébio Macário em Guimarães”, um dos seus livros preferidos de Camilo, que procura imitar.
Quanto à sua formação pessoal e profissional e depois da sua iniciação académica em Guimarães, frequentou ainda a Escola Médico-Cirúrgica da Academia Politécnica do Porto, matriculando-se com apenas 15 anos, tendo terminado o curso com a dissertação intitulada “O Concelho de Guimarães: estudo de demografia e nosographia”, tese que seria classificada com 20 valores e que se constitui como um trabalho notável de profundo estudo e saber.
Após o curso de Medicina exerceu a profissão como médico do Hospital da Ordem Terceira de S. Domingos que conciliaria com a docência no Liceu Nacional de Guimarães. Mais tarde, em 1908, seria ainda nomeado lente substituto da secção de cirurgia da Faculdade de Medicina, após concurso e defesa brilhante da dissertação sobre “O parto cesáreo, sua história, sua técnica, seus acidentes, suas indicações e prognósticos”, vindo posteriormente, em 1911, a exercer como professor universitário a cadeira de Medicina Legal, que regeu até ter adoecido.
Casa em 1907 com Madalena Baptista Sampaio, na freguesia de Gominhães, com quem viveria apenas escassos 6 anos, infortúnio que em 1911, dois anos antes do seu próprio falecimento, lhe bateria também à porta, ao sofrer a morte precoce e por doença de seu irmão José, com apenas 24 anos de idade.
JOÃO DE MEIRA E AS NICOLINAS
João de Meira foi também nicolino. Com efeito, escreveu 3 pregões, entre 1903 e 1905, o primeiro dos quais com apenas 22 anos de idade, sendo já na altura estudante de medicina. Compostos em versos alexandrinos, os pregões escolásticos de Meira, escritos numa linguagem jocosa e satírica, cheios de humor, recorrem fundamentalmente a temas como a mitologia, S. Nicolau, acontecimentos locais, elogio às damas e o apelo ao espírito Nicolino, como é notório no pregão de 1905:
 “Avante, sócios meus, segui esta receita/E quando logo enfim o dia terminar/Nem uma só baqueta há-de ficar direita/Nem uma pele só fique por estourar”.
No pregão de 1903 surgem algumas dessas temáticas. Por exemplo, a referência aos melhoramentos, em especial à iluminação pública (“Guimarães tinha luz levada do diabo/Que arde sem pavio e acende por um cabo”), mas também o aviso às tricaninhas sobre o amor dos estudantes: “O amor de estudante é coisa passageira/Diz a cantiga já que apenas dura uma hora/Se hoje o traz enleado uma linda trigueira/É uma loira, amanhã, aquela que namora”. Contudo, as damas vimaranenses merecem-lhe os maiores elogios: “Brancas visões do céu! Damas da nossa terra/Espíritos gentis, belezas sem rival/Mais formosas que sois de todo o Portugal”.
As “Festas Niciolinas” foram ainda tema de estudo de João de Meira, publicado no jornal Independente, em 1905, que assim noticiou os festejos desse ano do seguinte modo: “O Bando primorosamente escrito pelo nosso amigo e distincto poeta Sr. João de Meira foi belamente recitado pelo sympathico académicodo 5º. anno Sr. Joaquim Firmino da Costa Azevedo”.
As festas nicolinas estiveram sempre presentes nas vivências de João de Meira, como é evidente na parte terminal do pregão de 1903: “Que a festa a Nicolau é viva e viverá” . De facto, a festa vive e viverá para além da sua breve e efémera vida, que o seu poema premonitório de despedida, como autor de “Pregões Escolásticos”, intitulado “Adeus” , prenuncia:
Rapazes, ando a dar a última enxadada
Na cova onde sepulto a minha mocidade
Dentro de pouco está morta, a triste desgraçada,
E não deixa em minh’alma um raio de saudade

À falta d’homens, já três vezes fui chamado
Para escrever, sem arte, os versos do Pregão
E três o vezes o fiz, sem metro, mal rimado,
E o que ‘inda é pior, sensaborão!

E entre os nomes de luz de tanto ilustre poeta
Que escreveram para vós composições tão belas
É o meu pobre nome uma mascarra preta
Que tombasse no Céu entre milhares d’estrelas.

Despeço-me de vós, Rapazes, e ao fazê-lo
Só peço que me deis um pouco d’alegria,
Pois tenho dentro d’alma um triste pesadelo
E soam-me aos ouvidos gritos d’agonia!


Autor: Álvaro Nunes (Professor aposentado deste Agrupamento de Escolas)


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