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CARTAS DE AMOR
Por António Lourenço (Professor), em 2018/01/15506 leram | 0 comentários | 88 gostam
Todas as cartas de amor são/Ridículas (…)
Mas, afinal,/Só as criaturas que nunca escreveram/Cartas de amor/É que são/Ridículas”.
(Álvaro de Campos – heterónimo de Fernando Pessoa)
No próximo dia 14 de fevereiro celebra-se o Dia dos Namorados ou Dia de S. Valentim e por extensão o amor.
Ora, o amor sempre teve os seus sortilégios, ícones e elementos simbólicos. Basta recordar a tradição minhota dos lenços de namorados, o cortejo das Maçãzinhas das festas nicolinas, a Cantarinha dos Namorados vimaranense, ou na romaria de Santa Luzia, na qual as “passarinhas e sardões” permitem exprimir o amor brejeiro, sob as vistas tolerantes da santa protetora dos olhos.
De facto, desde sempre as festas e as romarias foram locais privilegiados de encontros de amor, sobejamente documentadas na lírica portuguesa desde a época das cantigas de amigo medievais.
Desde sempre, também, para além da poesia, as cartas assumiram um papel fundamental de sedução e “assédio” (cortês) nas coisas do amor, nomeadamente entre os nossos ilustres escritores como Fernando Pessoa, Almeida Garrett, Florbela Espanca, Eça de Queirós e Raul Brandão, entre outros. Como famosas foram também as cartas de amor da freira portuguesa Mariana Alcoforado ao seu amado, o marquês de Chamilly (1667/1668).

Raul Brandão (RB), escreveu a sua primeira carta de amor a Maria Angelina após o encontro na noite de S. João de 1896 e depois de uma troca de olhares entre ambos durante a Ronda da Lapinha. Aliás, já dias antes um contacto visual ocorrera, na festa das rosas, no qual ela confessa ter reparado nele: “o moço escritor distinguia-se pela nobreza da sua figura, dir-se-ia um príncipe escandinavo, de cabelo loiros e olhos da cor do céu”.

Mas, nesses tempos, até a entrega de uma carta era sofrida:

“Minha senhora:
Tinha-lhe escrito domingo uma carta que acabo agora mesmo de fazer em pedaços porque tenho outras coisas eu lhe dizer. Nela lhe contava em simples palavras, que a adorava. É V. Exª. a única pessoa que desde muitos anos, me fez bater mais alto o coração. Parece-me que já a conheço há quanto tempo, apesar da certeza de lhe não ter falado ainda!... (…) Adoro-a pelos seus olhos a que ando preso, por tudo que V. Exª. tem de nobre, de espiritual e cândido” (…)
Ontem, como me disse que voltasse à noite para lhe entregar a carta, esperei-a na rua até à meia hora. Lá no alto, na janelinha da torre havia uma réstia de luz. Era V. Exª. não era?” (…)
São agora duas horas da manhã e estou a escrever-lhe estas apressadas linhas que oxalá consiga fazer chegar-lhe às mãos. Perdoe-me V. Exª. a minha ousadia e responda-me, peço-lhe.
Beija-lhe as mãos, minha senhora, com o mais profundo respeito e subscrevo-me de V. Exª,
Raul Brandão”

A resposta porém acabaria por chegar, o que motivaria nova carta, em 14 de julho de 1896:

“Minha senhora:
Recebi o seu adorável bilhete. Vou passar horas de felicidade a beijá-lo.
Adoro-a. Desde ontem que vivo em febre a pensar em si. Até aqui a minha vida não tinha rumo: trabalhava por hábito e por vaidade. Agora tenho diante de mim este fito único: - amá-la; e um grande dever a cumprir: - fazê-la feliz. (…)
Beija-lhe as mãos o seu adorador apaixonado,
Raul Brandão”.

Começava então a aproximação entre ambos, como o demonstra a carta de 21 de julho de 1896:

Minha Maria Angelina:
Vou-te tratar por tu. É mais familiar e mais doce. É assim que eu te devo tratar daqui a meses, quando fores minha esposa (…)
Não te zangues comigo, Maria Angelina. Isto não quer dizer que te não respeite: ao contrário passaria a minha vida ajoelhado a teus pés, só a olhar-te, a ver-te sorrir e a ouvir-te dizer como ontem:- Também gosto muito de si!..
A carta de ontem encheu-me de alegria. Não há ninguém mais feliz do que eu, juro-te. O carinho com que, Maria Angelina, me escreves, o que eu sinto de bondade e de ternura das tuas cartas, enche-me de emoção. Era assim a esposa que eu sonhara! Eras tu a criatura angélica que eu há muitos anos procurava e que supunha não existir na terra (…)
Conheço-me muito bem para saber que sou capaz de te adorar eternamente (…)
Não terás, como eu não terei para ti, pensamentos reservados: - teremos um só coração e uma vontade”.

“Um Coração e uma Vontade” acabou por se intitular o livro de memórias que Maria Angelina escreveu, do qual transcrevemos as citações e as cartas aludidas.
Um coração e uma vontade que ambos partilharam em viagens, na escrita (como é o caso da obra infanto-juvenil “Portugal Pequenino”) e na vida apaixonada até à morte, vivida no aconchego da Casa do Alto, em Nespereira.

Porém e até ao casamento na Igreja Paroquial de Nespereira, em 11 de março do ano seguinte, muitas outras cartas se trocariam:

“Acredito no teu amor, como nunca acreditei em nada no mundo” – escreve RB em 24 de julho, questionando:
“Porque é que a tua família te não deixa conversar comigo? (…)
A cartinha que me mandaste pelo teu irmão encheu-me de alegria”.

Dificuldades e felicidade de novo expressas na carta de 29 de agosto:

“Eis o que vim encontrar em Guimarães: a minha felicidade, o meu amor, a minha querida Maria Angelina, mas também horas de desânimo, inquietações, o imprevisto …consola-me esta ideia: a de que em breve serás a minha noiva e a minha esposa (…)
Vou ver se te falo esta noite. Aparece às oito horas à janela que eu estou na rua”.

Desejos de (re)encontros sôfregos, também expressos nesta carta, após uma simples deslocação ao Porto, em janeiro de 1896:
“Quero os teus olhos, a tua boca, o teu sorriso. Amo-te porque és boa e terna, amo a tua graça, a tua beleza e o teu espírito, minha queridinha. Só me resta uma pena: - não te ter conhecido há mais tempo – para há mais tempo ser feliz”.

E foram felizes durante 33 anos …

Texto escrito por
Álvaro Nunes

  


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