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AUTO DE URGEZES
Por António Lourenço (Professor), em 2017/12/181198 leram | 0 comentários | 127 gostam
A Junta de Freguesia de Urgezes com o apoio da Câmara Municipal de Guimarães lançou O “Auto de (Santo Estevão de) Urgezes – O Monólogo do Truão, de autoria de Paulo César Gonçalves.
O “Auto de (Santo Estevão de) Urgezes – O Monólogo do Truão, de autoria de Paulo César Gonçalves, numa edição da Junta de Freguesia de Urgezes com o apoio da Câmara Municipal de Guimarães, foi uma das obras recentemente saídas do prelo, cujo lançamento se integrou no V aniversário da Vaca Negra - Centro para a Criação, Arte e Cultura, ocorrido no passado dia 15 de dezembro.
Ora, não temos dúvidas em afirmar que o lançamento do citado livro é em si mesmo é uma pedra no charco (estagnado) em que, nestes tempos recentes, vive a Vaca Negra. De facto, desta feita, corroboramos claramente que a iniciativa vai de encontro à designação “centro para a criação” que a denominação compreende, em detrimento das antigas opções de “pão e circo”, de cariz populista.
Quanto ao texto, diremos que, não obstante a excelente ideia de base que o sustenta, bem como a criatividade cénico-narrativa que o enforma, com versos à laia vicentina, confessamos que esperávamos algo mais do autor, não propriamente do ponto de vista literário, mas na abrangência da sua temática, que nos soube a pouco! Aliás, essa perceção não escapa ao próprio escritor, quando no final da obra, à guisa de despedida, afirma que “muito ficou por escrever. Fica sempre”. Talvez porque, como escreve nas considerações do autor (ou equivalente) “Urgezes é riquíssima, material e imaterialmente”, ou quiçá, porque o tempo de maturação foi exíguo, face à pressão da “encomenda”.
Daí, que lancemos o desafio em prol de cenas dos próximos capítulos…
 
No entanto, estará lá essencial, com argúcia e sapiência: lá está o “velho” Teatro Jordão, como metáfora espácio-temporal da cultura da cidade, que um simples e intemporal truão nicolino e/ou local, no cenário das danças e outras andanças deseja mostrar a sua valia e, segundo palavras suas, “a história da minha Terra contar”. História e estórias que começam pelo princípio e pela área urbana, sita à Avenida D. Afonso Henriques e que sobem lentamente pela íngreme Rua António da Costa Guimarães, ora por espaços outrora palmilhados, em pés descalços e de chancas, ora viajando anacronicamente através dos tempos, nos seus acontecimentos mais marcantes:
“Comecemos pela Avenida
D’El Rey Afonso, o Primeiro:
Ampla e comprida,
Sempre cheia de vida
Sem precisar de letreiro;

Ali mora edifício pouco usual
O Palácio de Vila Flor;
Foi Casa, Mostra de Exposição Industrial
E Pólo Universitário; agora é Centro Cultural;
Tem, pois tem, enorme valor!
 
No tempo do onde de Arrochela,
Dona Maria II lá dormiu … é verdade!
A rainha, à janela,
Viu Guimarães, tão bela,
Que decidiu elevá-la a Cidade.
E o Bernardino Jordão,
Depois Anfitrião,
“deu-nos” electricidade.
(…)
Ah, a Estação Velha (ou do Cavalinho,
ou de Vila Flor, depende de quem o diz);
É do tempo em que, no Minho,
A vapor, rápido ou devagarinho,
o cheiro a carvão entrava pelo nariz;

A linha do comboio, quando veio,
“cortou” Urgezes a meio.
(…)

No começo de uma encosta
aparece-nos a Fábrica do Castanheiro;
O que é? Calma, darei resposta:
Foi corajosa proposta
de António Costa Guimarães, pioneiro.

Mais adiante, a referenciação a alguns monumentos, tradições, figuras e alusão à própria lenda da Vaca Negra:

Sentado, à fresca, já estive a ver passar
o Andor da Senhora da Lapinha,
com multidão a acompanhar
e Raul Brandão, a cavalo, a comandar
a Procissão da Santa da Enxada e da foucinha;
(…)
Diz a lenda que, antes da Escola,
por ali pastou uma Negra Vaca
que deu cabo da tola
ao dono, ao padre e ao Povo que dava esmola;
Ficou como nome de lugar, mas sem placa;
(…)

Francisco dos Santos Guimarães, assim ficou
a nova Escola baptizada,
mas Urgezes, sempre lhe chamou,
porque o sítio assim se popularizou,
“Vaca Negra” (a Escola doada).

Posteriormente a alusão à origem de Colgeses, em 926, à sua sobranceria sobre a cidade; e ao seu orago e brasão, evocando a Fonte de S. Gualter:
 
“Santo Estevão de Urgezes, uma Terra
Anterior ao tempo de Mumadona;
Filha da Catarina Serra,
Testemunha de Paz e de guerra
tudo vê, sentada numa poltrona;
(…)

Tem as Pedras no Brasão
E o Santo no Orago;
Entrega à Igreja-Matriz a oração
e à Capela (dos Remédios) a absolvição,
carregando o andor de São Tiago.
(…)

É a recta final, estou quase no fim,
como se viu, Urgezes não e Terra qualquer:
Cidade, Campo, Jardim,
antiga como as missas de Latim,
repouso de S. Gualter;

- na fonte das Três bicas de prata,
que a camisa lava e a sede mata.”
   

De facto, esta parte inicial está bem concebida e conseguida. Porém, temo que a parte marcada pelas figuras de Gil Vicente e Camilo e posterior encaixe da lenda do cavalo branco, com texto mais compacto, pontualmente pejado de laivos de auto-crítica perante eventuais falhas e omissões ocorridas, não seja completamente apreendido por parte do público infanto-juvenil, em especial quando prevalece o monólogo. Com efeito, para além do crescendo de complexidade narrativa, quebra-se o fio da meada que estava a ser desdobada em tessitura de registo mais popular, com uma abordagem mais familiar e envereda-se pelas evocações, não obstante a lenda ser de apreensão fácil. No entanto, compreende-se perfeitamente que o autor queira evocar algumas ilustres figuras (os irmãos Almeida e Santos Simões), embora tivéssemos preferido um desenrolar da trama de forma diferente, que provavelmente o diálogo teria atenuado. Elogie-se porém o desafio de correr riscos …

Uma referência elogiosa também ao preciso libreto que acompanha o auto, que detalha lugares, acontecimentos e figuras aludidas, bem como às belas ilustrações de Sara Alves, dignas dos maiores encómios.

Em súmula, diremos que Urgezes ficou enriquecida com este trabalho, embora e contrariamente ao propalado na nota editorial, a freguesia sempre tenha sido um espaço de cultura, apesar dos parcos recursos e meios do passado, perante os de hoje. Aliás, os antecessores deixaram heranças bem visíveis, que alguns fregueses atuais não podem ignorar, ainda que em plural de (falsa) modéstia.
Todavia, mais importante é o futuro e o seu rumo …

Texto redigido por
Álvaro Nunes

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