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(RE)LER RAÚL BRANDÃO
Por António Loureiro (Professor), em 2017/01/241967 leram | 0 comentários | 120 gostam
(Re)ler Raúl Brandão (RR) nos 150 anos do seu nascimento, em especial no ensino básico, são os propósitos destas “dicas” de (re)leitura.
(RE)LER RAÚL BRANDÃO
(Re)ler Raúl Brandão (RB) nos 150 anos do seu nascimento, em especial no ensino básico, são os propósitos destas “dicas” de (re)leitura.
“Portugal Pequenino” escrito em Nespereira no ano de 1930, data da morte do escritor, em parceria com a esposa Maria Angelina, é provavelmente a obra brandoniana mais próxima da literatura infanto-juvenil e portanto uma das recomendadas para o ensino básico. Considerado como um “livro de ponte” entre a infância e a juventude e entre duas sensibilidades ou vozes íntimas, pelas circunstâncias da sua escrita, o livro concilia o real, o sonho e a memória, numa narrativa que paralelamente às peripécias vivenciadas por Prisca e Russo “de Má Pelo”, nos transporta em atribulada viagem por este Portugal fora, na sua corografia, nos aspetos da lenda e da história, nos costumes e rituais, nas brincadeiras infantis de outros tempos e nas coloridas visões das paisagens físicas e humanas da nossa terra , do Marão ao Algarve, do mar à serra, com passagem obrigatória por Guimarães:
“ Mais adiante, na estrada de Guimarães, à porta de uma tasca, estava uma mulher do soalheiro muito gorda, morta também por dar à língua.
- Sente-se um bocadinho. A menina vai à feira?
- Não posso que vou com muita pressa.
Mas sentou-se e, como a mulher gorda acrescentasse que não gostava de falar das vidas alheias, passaram toda a tarde a falar na própria vida e na vida de toda a gente dos arredores. Ao outro dia chegou a Guimarães. (…)
A Pisca olhou a medo o vulto temeroso do nosso primeiro rei, atravessou as ruazinhas lajeadas, a praça da Oliveira com a igreja gótica e meteu pela estrada de Fafe, ao lado da muralha de dentes arreganhados para o céu”.

Com efeito, apesar da extensão do seu relato, que se estende por treze capítulos, provavelmente a exigir uma leitura selecionada, “Portugal Pequenino” seria considerado pelo Serviço de Leitura da Gulbenkian “um primor de estilo e comunicação. Ternura pela criança e terra portuguesa. Humanização dos bichos no encontro universal dos seres, para além das limitações de tudo o que existe”.
Há de facto na obra segmentos de cariz fabulística, nos quais a voz de animais apontam o dedo à indiferença, ingratidão e crueldade:

“ Eles comem-te, boi. E não entendes, e não entendes! Ficas na mesma! Com essa força que tens! … Ai se fosse comigo …
- Cala-te para aí, Farrusco – rosnou o cão, do lado.
- Tu não dizes nada porque o amo te atira um osso. Por isso lhe fazes festa”.

 Há outrossim uma certa visão ecológica de comunhão entre homens e bichos, que compreende espécies menos amadas:

“É a última família que resta no Marão. A florestal matou os lobos que eram uma das expressões mais extraordinárias da serra e os seus filhos dilectos. (…) Ora o lobo é uma figura indispensável à serra. À serra e à vida”.

Porém, não é consensual que a obra seja de facto acessível ao pequeno leitor a quem se destina. Esther de Lemos, por exemplo, entende que RB “escreveu apenas uma série de notas e impressões que têm a inconfundível força e beleza do seu estilo, mas em nada se podem considerar literatura infantil”.
Portanto, quiçá e também, um livro de ponte e de fronteira entre a literatura infanto-juvenil e adulta, a ser ajustado à realidade dos alunos.

Outra obra de leitura recomendada, sugerida pelo Plano Nacional de Leitura para o 7º. ano, é o título “A Pesca da Baleia e outras narrativas” , que inclui 3 dos 11 contos da obra “As Ilhas Desconhecidas – Notas e Paisagens” (1926). Trata-se de um livro de viagens que reporta a deslocação do autor aos Açores e Madeira, que não só descreve o isolamento insular, a imigração e a beleza natural das ilhas, como também a atividade pesqueira e vida árdua dos pescadores açorianos e a sua grandiosidade, captando os sons e os sabores locais e inalando os aromas daquele “mar desmaiado, que não foi feito para se ver mas para respirar” .
Mas também o seu mundo imaginário e genesíaco:
“À noite não posso dormir, estou encharcado de azul. Vou a pé pela estreita estrada fora sob o luar derretido”.
E um mundo de fascínio, que ultrapassa todas as razões:
“Nas Lajes, noutro dia, saía o enterro de um baleeiro morto no mar, quando do Alto da Forca anunciaram o bicho (…) e logo a marcha compassada parou instantaneamente de atitude: ficou só o padre com o latim engasgado e o caixão no meio da rua, e os outros, enrodilhados, levaram o sacristão, de abalada, até à praia, Baleia! Baleia! … Deixam um casamento ou um enterro em meio (… ) e correm desesperados a arrear à baleia”.

Recomendaríamos ainda a leitura das narrativas “O Mistério da Árvore” (1926) e “O Natal dos Pobres”, esta última inserida na parte final da obra “Os Pobres” (1906), que seria incluída na coletânea “As mais belas histórias portuguesas de Natal” , uma compilação de Vasco da Graça Moura, também adaptada na série televisiva “Contos de Natal” da RTP, em 2006. E, obviamente, “Cucúsio”, relato de uma posse Nicolina, inserta no capítulo III da obra “A Farsa” (1903).

No teatro, “O Rei Imaginário”, uma das três peças do livro “Teatro” (1923) é talvez a mais adequada ao nível etário do 3º. ciclo. Nela, Teles, o magistrado, homem da lei e defensor da justiça e da moral acaba por cair nas malhas do crime, transformando-se na imagem degradada do homem que outrora foi, e que agora grita: “Abram a porta! Eu sou o Teles, o Teles …”. Um monólogo ao qual apenas responde uma voz estranha; “Perderam a chave”.
Resta assim a Teles a vergonha e o sonho. O sonho que é o seu modo de resistência e que entre memórias, revoltas e misérias o fazem imaginar que é rei absoluto, evidenciando a incapacidade do homem olhar para si mesmo.

Todavia, é preciso ler, pois “ler é sonhar pela mão de outrem” … (Fernando Pessoa)


Texto escrito por
Álvaro Nunes

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