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O NATAL NA POESIA PORTUGUESA
Por Carla Manuela Mendes (Professora), em 2018/12/19572 leram | 0 comentários | 91 gostam
“Todo o tempo é de poesia”, escreveu o poeta António Gedeão. Porém, porventura nada será mais poético que o Natal, em qualquer tempo ou espaço, independentemente das crenças e perspetivas.
De facto, tal como escreveu Ary dos Santos em 1989, o Natal é um dia nascido em vários dias, sempre e “Quando um homem quiser”:
“Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser.
Natal é em setembro
É quando o homem quiser.
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer.
Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulher.

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
tu que inventas bonecas e comboios de luar
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar
és meu irmão, amigo, és meu irmão.

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
és meu irmão, amigo, és meu irmão.”

Efetivamente, o Natal é um tema muito especial de expressão e efusão lírica portuguesa, com abundantes e multifacetadas vozes de uma plêiade de poetas, ao longo dos tempos. Com efeito, inicialmente mais devocional e religioso, em especial nas épocas quinhentista e seiscentista, como se constata, por exemplo no soneto “A Noite de Natal” de Frei Agostinho da Cruz (1540-1619), o tema natalício evoluiria e assumiria posteriormente numa perspetiva mais universalista, mais social e mais realista.
Mas o Natal pode ser também saudade, como o “Natal de Londres” que Almeida Garrett passou no exílio (“Natal da minha terra, que lembranças/Saudosas e devotas/Tenho de tuas festas tão gulosas/ E de teus dias santos/Tão folgados e alegres!”) e assunto variado e multifacetado de muitos poetas como Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, António Gil e muitos outros. Ou ainda António Feliciano de Castilho (“O Natal do Pobrezinho”), Gomes Leal ou João de Lemos e João de Deus e suas inspirações místicas.

Mas Natal seria também glosado por Fernando Pessoa, em especial no poema VIII de “O Guardador de Rebanhos”, ou ainda por José Régio, neste seu “Natal”, bem pessoal:

“ Mais uma vez, cá vimos
Festejar o teu novo nascimento,
Nós, que, parece nos desiludimos
Do teu advento!
(…)
Mas, se um ano tu deixas de nascer
Se da voz se nos cala a tua voz,
Se enfim por nós desistes de morrer,
Jesus recém-nascido!, o que será de nós?!”

Todavia, para além de Régio dilacerado pela procura de Deus, ou o evangélico Natal de Sophia, o tema natalício está também presente em Vitorino Nemésio (“Natal Chique”) e muitos outros poetas atuais, como é o caso de António Gedeão, no seu extenso “Dia de Natal”, poema eivado de fina ironia:

“Hoje é dia de ser bom
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças
de falar e ouvir o mavioso tom
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros – coitadinhos – mas que padecem
de lhe darmos coragem para poderem continuar a aceitar sua
miséria
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo os que não merecem
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria

Comove tanta fraternidade universal.
(…)

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e engenhosa dinâmica
cintilam, sob intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal l, de vidro e de cerâmica.
(…)

Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora”
(…)

David Mourão-Ferreira (1927-1966) é outro dos poetas que no seu “Cancioneiro de Natal” (1971) nos lega várias composições poéticas alusivas ao tema, entre as quais ~”Litania para este Natal”, “Natal Up-to-date”, “Elegia de Natal”, ou “Ladainha dos póstumos Natais”, no qual antecipa o inevitável: “Há de vir um Natal e será o primeiro/em que se veja à mesa o meu lugar vazio” .
Porém, há sempre um futuro preenchido e soluções para os lugares vazios, em qualquer mesa: “Nunca o Natal me aturdira/com tão grande maravilha/Ó perspetiva da vida/que à vida me sobreviva/ Um neto ou neta respira/no ventre de minha filha” – assim o antecipa em “Íntimo Natal”, neste vivo e humano (re)nascimento.
Mas acima de tudo, para além do Natal intimista, o sujeito poético anseia também uma dimensão mais universal para o espírito natalício, que o poema “Natal, e não Dezembro” expressa claramente, neste plural humanista:
  
“Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido …
(…)
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
A cave, a gruta, o sulco de uma nave …
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.”
 
Miguel Torga é igualmente um outro poeta natalício de eleição, com vários poemas, entre os quais “Retábulo”, “Loa” e vários com o título “Natal”, ou esta “Estrela do Ocidente”:
“Por teus olhos acesos de inocência
Me vou guiando agora, que anoitece.
Rei Mago que procura e desconhece
O caminho.
Sigo aquele que adivinho
Anunciado
Nessa luz só deluz adivinhada,
Infância humana, humana madrugada.
Presépio é qualquer berço
Onde a nudez do mundo tem calor
E o amor
Recomeça.
Leva-me, pois, depressa,
Através do deserto da vida,
A Belém prometida …
Ou és tu a promessa?
De facto, o Natal é porventura uma dos temas mais glosados pelos nossos poetas em várias reflexões e interiorizações, que Jorge Sena questiona e exterioriza intrinsecamente:
“Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
(…)

Que estes poemas te permitam a fruição e a reflexão sobre a mensagem natalícia neste dealbar de um novo ano que se diz será Ano Novo.
FELIZ NATAL 2018! …

Texto
de
Álvaro Nunes



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