O NATAL NA POESIA PORTUGUESA | |
Por Carla Manuela Mendes (Professora), em 2018/12/19 | 572 leram | 0 comentários | 91 gostam |
“Todo o tempo é de poesia”, escreveu o poeta António Gedeão. Porém, porventura nada será mais poético que o Natal, em qualquer tempo ou espaço, independentemente das crenças e perspetivas. | |
De facto, tal como escreveu Ary dos Santos em 1989, o Natal é um dia nascido em vários dias, sempre e “Quando um homem quiser”: “Natal é em Dezembro Mas em Maio pode ser. Natal é em setembro É quando o homem quiser. Natal é quando nasce uma vida a amanhecer. Natal é sempre o fruto que há no ventre da mulher. Tu que inventas ternura e brinquedos para dar tu que inventas bonecas e comboios de luar e mentes ao teu filho por não os poderes comprar és meu irmão, amigo, és meu irmão. E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei és meu irmão, amigo, és meu irmão.” Efetivamente, o Natal é um tema muito especial de expressão e efusão lírica portuguesa, com abundantes e multifacetadas vozes de uma plêiade de poetas, ao longo dos tempos. Com efeito, inicialmente mais devocional e religioso, em especial nas épocas quinhentista e seiscentista, como se constata, por exemplo no soneto “A Noite de Natal” de Frei Agostinho da Cruz (1540-1619), o tema natalício evoluiria e assumiria posteriormente numa perspetiva mais universalista, mais social e mais realista. Mas o Natal pode ser também saudade, como o “Natal de Londres” que Almeida Garrett passou no exílio (“Natal da minha terra, que lembranças/Saudosas e devotas/Tenho de tuas festas tão gulosas/ E de teus dias santos/Tão folgados e alegres!”) e assunto variado e multifacetado de muitos poetas como Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, António Gil e muitos outros. Ou ainda António Feliciano de Castilho (“O Natal do Pobrezinho”), Gomes Leal ou João de Lemos e João de Deus e suas inspirações místicas. Mas Natal seria também glosado por Fernando Pessoa, em especial no poema VIII de “O Guardador de Rebanhos”, ou ainda por José Régio, neste seu “Natal”, bem pessoal: “ Mais uma vez, cá vimos Festejar o teu novo nascimento, Nós, que, parece nos desiludimos Do teu advento! (…) Mas, se um ano tu deixas de nascer Se da voz se nos cala a tua voz, Se enfim por nós desistes de morrer, Jesus recém-nascido!, o que será de nós?!” Todavia, para além de Régio dilacerado pela procura de Deus, ou o evangélico Natal de Sophia, o tema natalício está também presente em Vitorino Nemésio (“Natal Chique”) e muitos outros poetas atuais, como é o caso de António Gedeão, no seu extenso “Dia de Natal”, poema eivado de fina ironia: “Hoje é dia de ser bom É dia de passar a mão pelo rosto das crianças de falar e ouvir o mavioso tom de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças. É dia de pensar nos outros – coitadinhos – mas que padecem de lhe darmos coragem para poderem continuar a aceitar sua miséria de perdoar aos nossos inimigos, mesmo os que não merecem de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria Comove tanta fraternidade universal. (…) Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates, com subtis requintes de bom gosto e engenhosa dinâmica cintilam, sob intenso fluxo de milhares de quilovates, as belas coisas inúteis de plástico, de metal l, de vidro e de cerâmica. (…) Jesus, o doce Jesus, o mesmo que nasceu na manjedoura veio pôr no sapatinho do Pedrinho uma metralhadora” (…) David Mourão-Ferreira (1927-1966) é outro dos poetas que no seu “Cancioneiro de Natal” (1971) nos lega várias composições poéticas alusivas ao tema, entre as quais ~”Litania para este Natal”, “Natal Up-to-date”, “Elegia de Natal”, ou “Ladainha dos póstumos Natais”, no qual antecipa o inevitável: “Há de vir um Natal e será o primeiro/em que se veja à mesa o meu lugar vazio” . Porém, há sempre um futuro preenchido e soluções para os lugares vazios, em qualquer mesa: “Nunca o Natal me aturdira/com tão grande maravilha/Ó perspetiva da vida/que à vida me sobreviva/ Um neto ou neta respira/no ventre de minha filha” – assim o antecipa em “Íntimo Natal”, neste vivo e humano (re)nascimento. Mas acima de tudo, para além do Natal intimista, o sujeito poético anseia também uma dimensão mais universal para o espírito natalício, que o poema “Natal, e não Dezembro” expressa claramente, neste plural humanista: “Entremos, apressados, friorentos, numa gruta, no bojo de um navio, num presépio, num prédio, num presídio, no prédio que amanhã for demolido … (…) Entremos, dois a dois: somos duzentos, duzentos mil, doze milhões de nada. Procuremos o rastro de uma casa, A cave, a gruta, o sulco de uma nave … Entremos, despojados, mas entremos. De mãos dadas talvez o fogo nasça talvez seja Natal e não Dezembro, talvez universal a consoada.” Miguel Torga é igualmente um outro poeta natalício de eleição, com vários poemas, entre os quais “Retábulo”, “Loa” e vários com o título “Natal”, ou esta “Estrela do Ocidente”: “Por teus olhos acesos de inocência Me vou guiando agora, que anoitece. Rei Mago que procura e desconhece O caminho. Sigo aquele que adivinho Anunciado Nessa luz só deluz adivinhada, Infância humana, humana madrugada. Presépio é qualquer berço Onde a nudez do mundo tem calor E o amor Recomeça. Leva-me, pois, depressa, Através do deserto da vida, A Belém prometida … Ou és tu a promessa? De facto, o Natal é porventura uma dos temas mais glosados pelos nossos poetas em várias reflexões e interiorizações, que Jorge Sena questiona e exterioriza intrinsecamente: “Natal de quê? De quem? Daqueles que o não têm, ou dos que olhando ao longe sonham de humana vida um mundo que não há? (…) Que estes poemas te permitam a fruição e a reflexão sobre a mensagem natalícia neste dealbar de um novo ano que se diz será Ano Novo. FELIZ NATAL 2018! … Texto de Álvaro Nunes | |
Comentários | |