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O FALAR VIMARANENSE
Por Conceição Páscoa (Professora), em 2020/05/04819 leram | 0 comentários | 194 gostam
A variedade da Língua Portuguesa - Um reconto da História da Carochinha no falar vimaranense.
De facto, para além da sua variação histórica ao longo dos tempos, desde o português antigo até ao português clássico e posteriormente até ao português contemporâneo, a língua portuguesa tem ainda várias variantes, que têm a ver com o espaço (variações diatópicas), meios socioculturais (variação diastráticas) ou tipos de modalidade expressivas (variações diafásicas)

Com efeito, entre as principais variações diatópicas ou geográficas, que são características de determinadas zonas e, como tal, possuem particularidades linguísticas próprias, os dialetos regionais como os da Madeira ou Açores, o mirandês, ou as variedades africanas e brasileiras são certamente os mais conhecidos, em especial pelas suas pronúncias, e vocabulário característicos.
Ora, é este sabor tropical da variante brasileira que Sophia de Mello Breyner Andresen alude, neste seu poema:

“Gosto do português do Brasil
Onde as palavras recuperam a substância total!
Concretas como frutos, nítidas como pássaros.
Gosto de ouvir a palavra com as suas sílabas todas
Sem perder sequer um quinto de vogal.

Quando Helena Lunari dizia o “coqueiro”
O coqueiro ficava mais vegetal.”

Ora, o falar de Guimarães é uma dessas variações diatópicas, ainda que restrita. Com efeito, que diria se o tivesse desinquemodado e desorado com carcávias desta natureza?! Provavelmente ficaria barado, dizendo que são coisas do manquinho!
Tão varado, como verificar que, provavelmente, os dicionários nacionais não registam (ainda) palavras fundamentais da realidade vimaranense, como nicolino, gualteriano ou (pasme-se), vitoriano!
Porém, em contraposição, muitos destes e outros termos do falar vimaranense encontram-se registados no estudo “Linguagem Popular de Guimarães” de José Leite de Vasconcelos (1885), ou no “Novo Dicionário da Língua Portuguesa” de Cândido de Figueiredo (1899).

Bem, vamos pôr-te à prova, com este reconto de uma história conhecida, à laia vimaranense:

HISTÓRIA DA CAROCHINHA
Era uma vez uma Carochinha que queria muito casar, mas não tinha dinheiro. Além disso, encontrava-se desapatroada. Um dia, estava ela a varrer a cozinha, junto ao barreleiro, quando encontrou uma moeda de ouro ao lado do balaio. Toda contente, pôs-se a cantar à janela:
- Quem quer casar com a Carochinha, que é rica e bonitinha?
Mas ninguém respondeu ao seu canto. Horas depois, porém, alguém batucou em sua casa. Era o senhor Carocha, um velho das estradas, já reformado, mas um pouco crôco e cróio, o que não agradou à Carochinha.
- Senhor Carocha, estou varada (ou será barada?) com as suas carcávias! Até parecem coisas do manquinho! – acabou por dizer a Carochinha, algo desinquemodada, depois de tanto o tresouvir.
Porém antes de sair, o senhor Carocha comera cufarte, sem sequer deixar cerimónia. Mas como ao menos tinha a pança cheia, saiu, sem lhe dar cúnfia, bem regado por uma cachapina. E bem poderia ser rica a Carochinha, mas de bonitinha nada tinha! – disse como uma dorzinha de cotovelo para os seus botões -. Era até bem calhorda para o seu gosto! …

No dia seguinte, a Carochinha voltou à janela:
- Quem quer casar com a Carochinha, que é rica e bonitinha? – cantou novamente. apertando o justilho e recintando o avental com ar sensual.
- Quero eu!
- E quem és tu? – perguntou a Carochinha.
- Eu sou um barato – respondeu em sotaque abrasileirado.
-Ora, que bom, pois um sou uma barata, uma baratinha!

A Carochinha não tinha entendido patavina, pois barato não era o macho da barata. Mas vocês já perceberam a confusão: barata é um nome epiceno! E Carochinha é realmente uma barata! Mas, a Carochinha simpatizara com aquele besouro, com fama de ladripo e deu de barato que era o macho da sua perdição. Barato, porém, era uma palavra que no português do Brasil significava pessoa de curtição, ou seja, diversão. E como a Carochinha era uma baratinha atinada e trabalhadora, acabou por entender, apesar de baratinada, que entre ambos havia ADN incompatível.

- Quem quer casar com a Carochinha, que é rica e bonitinha? – voltou então a cantar à janela, Já desanimada.
- Quero eu!
- E quem és tu? – questionou a Carochinha
- Eu sou o João Ratão, engraçado e espertalhão!
- E que desejais de mim, João Ratão?
- Ora, cama, mesa e roupa lavada, como qualquer rato machão!

Neste momento o narrador ainda pensou mudar os papéis, ou seja, pôr o João Ratão à janela. Já lhe tinham falado que as coisas estavam a mudar e que até nas festas Nicolinas (palavra ainda não dicionarizada) se colocara em causa a tradição. Mas não transigiu, pois a tradição ainda é o que era …

Por isso e como a Carochinha estava farta de procurar noivo e engraçara com o João e para evitar falsas polémicas machistas e feministas achou por bem fechar a história. E ela estava tão empolgada, já a pensar nos filhos, batizados e samagaio! ...
Acabaram por casar num dia de albazeilha no parque da cidade, junto à laranjeira. E seriam muito felizes até à morte de ambos, já velhinhos, pelo mal do inseticídio. Dizem contudo que desta relação nasceriam lindas joaninhas (cruzamento de João com o inha, da Carochinha)
 Escusado será dizer que nesse tempo já se usavam panelas de pressão, em vez de caldeirões…
Mas, confesso, como narrador omnisciente, que ainda pensei num fim trágico do João Ratão. Por exemplo, no rebentamento de uma panela de pressão, como uma outra variante da história …
Bem, entretanto, e para além desta variação diatópica, a língua portuguesa possui ainda variações diastráticas ou socioculturais, entre as quais sobressaem as gírias e o calão, associadas a determinados grupos sociais, bem como variações situacionais ou diafásicas que resultam da adequação do discurso a situações específicas de comunicação. De facto, destas últimas decorrem diferentes níveis de língua como o registo cuidado, o registo corrente, o registo familiar, o registo popular e a língua técnica e científica. E, sabes muito bem que assim é, pois não falas da mesma maneira na sala de aula, no recreio, ou em casa …
Em síntese, é preciso cuidar da língua portuguesa, como nosso património comum que nos une e nos singulariza.


Por Álvaro Nunes

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