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CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE RUBEN A.
Por Conceição Páscoa (Professora), em 2020/06/18551 leram | 0 comentários | 118 gostam
No mês de Maio evocou-se o centenário de nascimento de Ruben A, romancista, historiador, ensaísta e crítico, de nome completo Ruben Alfredo Andresen Leitão.
Nascido em Lisboa em 26 de Maio, faleceria em Londres, em 1975,exatamente no ano em que fora convidado para exercer funções como professor na Universidade de Oxford.
Deste modo, para assinalar o centenário do seu nascimento, a Porto Editora vai reeditar o seu romance “A Torre de Barbela” (1964), distinguido com o Prémio Ricardo Malheiros, cuja ação decorre nas margens do rio Lima, perto de Viana de Castelo, obra que Eduardo Lourenço considera ter “uma perceção da História portuguesa vulgarmente meio maluca, mas profundamente genial”.
Ademais, estão ainda previstas várias reedições das suas obras (esgotadas), como o romance “Silêncio para 4” (1973), não obstante ainda se encontrem disponíveis vários outros, como o romance “Caranguejo” (1954), o volume de contos “Cores” (1960) ou o romance “Kaos”, entre muitos outras obras, como “Páginas”, da qual António Oliveira Salazar não gostou, por causa do “palavreado porco, não só da língua literária, mas do falar corrente”.
 Igualmente, o Teatro Nordeste – Centro Dramático de Viana -, apresentou um conjunto de iniciativas alusivas, que culminaria com o espetáculo “O Mundo à Minha Procura”, baseado na homónima obra autobiográfica do escritor. (1966). Atividades que compreenderam ainda um depoimento da investigadora Dália Dias, autora de “A Escrita Dissidente – Autobiografia de Ruben A,” e as oficinas de teatro “ Rostos e Páginas de Ruben A.”, com base nas crónicas da viagem do escritor entre Londres e Carreço (Viana do Castelo), um dos seus espaços de eleição, como ele próprio o reconhece: “é verdade, entre mim e o Alto Minho existe um entendimento puro, de sonho, saudado em azul e pôr-do-sol”. Por isso, seria sepultado, em Carreço, em 8 e Outubro de 1975, local de romagem este ano, e onde fez questão de repousar em campa rasa, acompanhado por um poema de sua prima Sophia.
Entretanto, devido à pandemia, as comemorações vão adiar-se e prolongar-se para 2021,em Lisboa. Assim, ocorrerão exposições na Biblioteca Nacional, conferências e colóquios, nomeadamente na Fundação Calouste Gulbenkian e ainda dias temáticos alusivos à vida e obra do autor. Outrossim, estão previstas algumas iniciativas editorais, nomeadamente um volume da coleção “O Essencial sobre … “,da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, e, mesma esteira, edições inéditas sobre a sua Correspondência (mais de dez mil cartas), e ainda artigos publicados nos jornais, sob o título “O óbvio não se vê”.

Porém e de facto, Ruben A. é ainda pouco conhecido e lido, apesar de ter sido um autor importante e de certa forma revolucionário. Deste modo, quiçá a sua faceta mais conhecida seja provavelmente, para muitos, o facto de haver passeado em pelota entre as estátuas do Pártenon, na Grécia (para se sentir mais identificado com as estátuas com quem queria dialogar), ou de ter crescido no Porto, na companhia da avó materna, onde brincava com Sophia de Mello Breyner Andresen, sua prima direita, naquela “casa enorme vermelha e desmedida”. A casa que ambos partilharam, na infância, para os lados de Campo Alegre., cheia de recordações felizes.
Vivências que Sophia recorda nesta sua “Carta a Ruben A.”, inserida na obra “O nome das Coisas”:

“Que tenhas morrido é ainda uma notícia
Desencontrolada e longínqua e não a entendo bem
Quando pela primeira vez – bateste à porta da casa e te sentaste à mesa

Trazias contigo como sempre alvoroço e início
Tudo se passou em planos e projetos
E ninguém poderia pensar em despedida

Mas sempre trouxeste contigo o desconexo
De um viver que nos funda e nos renega
Poderei procurar o reencontro verso a verso
E buscar – como oferta – a infância antiga

A casa enorme vermelha e desmedida
Com os seus átrios de pasmo e ressonância
O mundo dos adultos nos cercava
E dos jardins subia a transbordância
De rododendros dálias e camélias
De frutos roseirais musgos e tílias

As tílias eram como catedrais
Percorridas por brisas vagabundas
As rosas eram vermelhas e profundas
EE o mar quebrava ao longe entre os pinhais

Morangos e muguete cerejeiras
Enormes ramos batendo nas janelas
Havia o vaguear das tardes inteiras
E a mão roçando pelas folhas de heras

Havia o ar brilhante e perfumado
Saturado de apelos e de esperas
Desgarrada era a voz das primaveras

Buscarei como oferta a infância antiga
Que mesmo tão distante e tão perdida
Guarda em si a semente que renasce.

Com efeito, renasce também neste ano de centenário o interesse por Ruben A. De facto, como dissera numa entrevista para o Diário Popular, em 1960, parece que ”é preciso morrer para ter talento e receber alguns cobres”. Situação irónica, que parece adaptar-se plenamente a Ruben A., que na sua Autobiografia já vaticinava:

“ A morte é a independência, começam a venerar, depois espetam o primeiro centenário, honras, edições especiais, uma morte chorada na província com discursos, começam os discursos. Depois celebram dois centenários, do nascimento e da morte, os livros vendem-se mais, uma praça pública e uma rua com o nome, alguns alfarrabistas vendem primeiras edições, a família toda é descendente e todos passam a viver da chulice mental de um certo talento que caiu no património nacional”.

Em súmula e no fundo, uma vida e obra muito cheia e rica, que a fotobiografia “O Mundo de Ruben A.” documenta excecionalmente, em cujo prefácio de Mário Soares, bem sintetiza:
“O Mundo não chegava, ele precisava de o acrescentar, de o corrigir, de subverter os seus dados. Por isso criou com a sua obra um outro Mundo, o seu – pessoalíssimo, cheio de vida, de fantasia, de novidade”
Mundo literário que com humor e ironia analisa a idiossincrasia portuguesa e que claramente confirma e vai ao encontro aos versos de Sophia: “trazias contigo como sempre o alvoroço e início” …
Talvez seja um bom início para conhecer melhor o mundo de Ruben A. …

Texto de Álvaro Nunes

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