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OS ESPAÇOS SAGRADOS DE SOPHIA (2)
Por Carla Manuela Mendes (Professora), em 2019/04/05477 leram | 0 comentários | 123 gostam
Dois espaços e duas casas são marcantes na vida e obra de Sofia: a casa vermelha ou casa Andresen no Jardim Botânico do Porto, na qual a escritora e seu primo Ruben A. passariam a infância; e a casa branca em frente ao mar, na praia da Granja.
A praia da Granja, foi sem sombra de dúvida um dos lugares mais marcantes da infância de Sofia, evocada posteriormente na sua primeira obra “Poesia I” (1944):
“De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
Há muito que deixei aquela praia
De grandes areais e grandes vagas
Mas sou eu ainda quem na brisa respira
E é por mim que espera cintilando a maré vasa”.

De facto, é na Granja que a obsessão do mar, como símbolo da dinâmica da vida, donde tudo vem e regressa e tudo purifica, ganha constante omnipresença em Sofia e muitos títulos de obras suas. É o caso, por exemplo, da obra “Dia do Mar” (1947) sobre o tempo recuperado da infância e o tempo em que aprendera a escutar as vozes do mundo: “Ao longe por mim oiço chamando/A voz das coisas que eu sei amar/E de novo caminho para o mar”.
Vozes que se modelaram em prosa e na poesia a partir da memória da infância, como nos revela na entrevista concedida ao Jornal de Letras, Artes e Ideias, em 16 de fevereiro de 1982:

“O primeiro encontro com o poema foi quando me ensinaram a “Nau Catrineta”, o que já contei num texto chamado “Como a poesia me criou”. Tinha três anos” – revela Sofia, que explicaria:
“Havia em minha casa uma criada, chamada Laura, de quem eu gostava muito (…) A Laura ensinou-me a Nau Catrineta porque havia um primo meu mais velho a quem tinham feito aprender um poema para dizer no Natal e ela não quis que eu ficasse atrás … Fui “um fenómeno”, a recitar a Nau Catrineta, toda. Mas há mais encontros, encontros fundamentais com a poesia: a recitação de Magnífica, nas noites de trovoada, por exemplo”.

 Mas, efetivamente é a voz do mar da praia da Granja que se ouve naquele búzio junto à orelha da nossa meninice e aparece nos contos “A Menina do Mar” (1958) e a “Casa do Mar”(1979), este último posteriormente inserido na obra “Histórias da Terra e do Mar” (1984), bem como em muitos outros poemas:
“Casa branca em frente ao mar enorme
Com o teu jardim de areia e flores marinhas
E o teu silêncio intacto em que dorme
O milagre das coisas que eram minhas.


A ti voltarei após o incerto
Calor de tantos gestos recebidos
Passados os tumultos e o deserto
Beijados os fantasmas, percorridos
Os murmúrios da terra indefinida.

Em ti renascerei um mundo novo
E a redenção virá nas tuas linhas
Onde nenhuma coisa se perdeu
Do milagre das coisas que eram minhas.”

De facto, Sophia conheceria “A Menina do Mar” na praia da Granja, como nos revela na citada entrevista:
“ A Granja era a praia onde passava apaixonadamente o Verão, e mesmo quando lá morava era para mim uma terra prometida. Para mim e para outas pessoas … Há lugares sagrados, sabe? Mas isso são coisas que se escrevem nos contos e nos poemas e que não se dizem numa entrevista. É a casa da Ganja que surge no poema “A casa branca em frente ao mar enorme”, no conto “A Casa do Mar” e n’ “A Menina do Mar”, que é inspirada numa história que minha mãe me contou: nos rochedos morava uma menina muito pequena. Essa menina representava para mim a felicidade perfeita porque almoçava no mar, dormia no mar, vivia no mar”.

Mar que já seu bisavô Jann Hinrich Andresen auscultara, anos antes, em estreita ligação à casa, à mãe e ao mundo: “ o mar é o caminho para a minha casa” – lê-se no conto “A Saga, narrativa inspirada na vida deste seu familiar que veio para o Porto, proveniente do arquipélago (dinamarquês) das Frísias.

Mas a praia da Granja não foi só o paraíso de Sofia. Ramalho Ortigão afirmou que era na época “ a mais aristocrática das praias do litoral português” , em especial após a passagem do comboio, a partir de 1864 e consequente construção da estação de caminhos de ferro. Uma povoação que se transformaria numa “ estação balnear da alta sociedade portuguesa de fins do século XIX, que se encheu de luxuosas vivendas, que definem por si toda uma arte de saber viver bem e requintadamente, típica de certa belle époque. A Granja é uma povoação diamante” – escreveria o citado escritor.
De facto pela Granja passaram reis e rainhas, o ilustre Grupo dos Cinco, do qual faziam parte Oliveira Martins, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão e várias famílias nobres. Uma praia que os jornais da época referiram como sendo “uma concha mimosa como a pétala de uma camélia; ninho feito de púrpura e perfumes”, que terá crescido graças aos frades Crúzios, sediados no Mosteiro de Grijó, que em 1758 construíram localmente uma quinta (ou granja) para seu sustento, situação que estará na origem do topónimo Granja.
Historicamente, porém, o local ficaria também conhecido por ali ter sido celebrado, em 7 de setembro de 1876, o Pacto da Granja, do qual terá resultado o Partido Progressista, decorrente da junção do Partido Histórico e do Partido Reformista, que viria a fazer oposição ao poderoso Partido Regenerador de Fontes Pereira de Melo.

Porém, esta praia, este mar e esta brisa da Granja são sobretudo reminiscências de Sophia que fez deste espaço a estrela das suas histórias e poemas, no qual vagueia discretamente:

“Quando eu morrer, voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar” …
   


Texto
de
Álvaro Nunes

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