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27 DE MARÇO – DIA MUNDIAL DO TEATRO
Por Carla Manuela Mendes (Professora), em 2019/03/26658 leram | 0 comentários | 536 gostam
27 de março foi consagrado pelo Instituto Internacional do Teatro, desde 1961, como o DIA MUNDIAL DO TEATRO, data coincidente com o aniversário de Atenas, berço do teatro ocidental.
Ora, Sophia também escreveu teatro. Por isso, neste centenário do seu nascimento, impõe-se que falemos da sua dramaturgia e desta sua faceta menos conhecida.
“O Bojador”, peça de 1961, dedicada por Sophia aos “professores de História e de Português do meu país”, que consta das leituras recomendadas para o 7º ano de escolaridade, destinado a leitura orientada, é uma dos seus textos teatrais mais conhecidos, conciliando Literatura e História.
Uma peça em dois quadros que nos transporta de velas desfraldadas para os Descobrimentos portugueses, a partir do promontório de Sagres, com os olhos visionários postos no mar, em oposição a todos os velhos medos e a tradição vigente:

“CRIANÇA (apontando com o dedo o Infante
- Mãe, o Infante, o que é que ele está ali a fazer, sozinho, a olhar para o mar?
MULHER
- Está a ver.
CRIANÇA
- Mas não se vê nada. É só mar.
MULHER
- Ele vê melhor do que nós.
CRIANÇA
- Ah? Eu pensava que ele não via. No outro dia encontrei-o no caminho e disse: “Bom dia, meu Senhor”. Mas ele não me viu.
MULHER
- Ele vê bem o que está longe.
VELHO
- Era melhor que visse o que está perto. Já todos murmuram e muitos já troçam. Há doze anos, que o Infante D-Henrique manda os seus barcos em busca desse cabo. (…)
Pois o que há no mar? Distância, solidão, nevoeiro, abismos, temporais, sede, fome naufrágios, morte. Em breve o Reino estará cheio de crianças órfãs e de mulheres viúvas. Do mar não vem nem glória nem proveito
RAPAZ
- Tens a certeza, Velho?
(…)
VELHO
-Nunca ninguém voltou do Bojador.
CRIANÇA
- Mãe, mãe, olha, além no mar, toda branca, uma barca. Vem uma barca no mar.
RAPAZ
- É Gil Eanes. Voltou”
(…)

No fundo, a vitória da coragem e da determinação sobre o imobilismo, que exige o sofrimento, antes da glória: “Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da dor” – diria Fernando Pessoa em “Mar Português”. Mas também um triunfo sobre as lendas e o saber livresco, que a carta do Infante D. Henrique enviada a D. Pedro, bem dilucida:

“Meu muito amado irmão
Primeiro que a ninguém vos quero dar esta notícia. Pois esta obra de navegação antes de ser obra foi ideia. E a ideia foi vossa e minha.
(…)
Por isso acaba de chegar aqui Gil Eanes, que dobrou o Cabo Bojador (…)
Aqui termina a lenda do Tenebroso. Fomos além do medo, das lendas da ciência do Antigos. Dobrámos o Cabo onde acabava o mundo. Aqui terminam as eras antigas e começa a idade nova.
Amanhã mesmo irei a Sintra, à Corte, levar esta notícia a nosso irmão el-rei D. Duarte.
(…) Mas logo de seguida regressarei a Sagres (…) E aqui em Sagres, à proa de Portugal, eu sou como o capitão à proa do seu barco. E a minha ciência não é uma ciência antiga que se aprende nos livros das eras passadas, mas sim descobrimento e saber novo que se aprende na distância e no vento nas estrelas do céu e nas ondas do mar.
Em breve iremos mais longe”.

Pois, como diria Fernando Pessoa; “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” …

Por sua vez, “O Colar” peça escrita em 2001, já quando a autora se encontrava doente ( que seria fixada com a ajuda da sua filha Maria Andresen de Sousa Tavares e de Luís Miguel Cintra, tendo em vista a sua encenação), é outra das incursões teatrais de Sophia e igualmente um livro recomendado pelo Plano Nacional de Leitura para o 8º. ano.
Uma peça que tem como cenário a cidade de Veneza e que conta a história da jovem Vanina, que se apaixona por Pietro, um fidalgo arruinado que ganha a vida a (en)cantar pelos canais da cidade. Um texto com certas afinidades com a história amorosa de Vanina e Guidobaldo, na obra “O Cavaleiro da Dinamarca”, ainda que com tessitura e desfechos diferentes. Porém e de novo, uma jovem órfã e apaixonada tutelada por um tutor e.a proposta de um casamento com um homem mais velho e rico, recusada pela protagonista:

“TUTOR – A juventude é só riso e leveza, mas é cheia de ignorância, de sonhos, de loucuras, e qualquer suspiro ou brisa a perturba. É cheia de paixões perigosas e de ilusões arrogantes. Não, Vanina, não quero que cases com um jovem, maluco, impertinente. Quero que cases com um homem sensato, cheio de experiência da vida, como O Comendador.
VANINA – É a vossa vontade, meu tio, mas não é a minha livre vontade”

.No fundo, uma história de amores desencontrados, que leva a aprender que a vida não é um conto de fadas, mas por vezes um lugar de vivência da dignidade da solidão, onde se aprende amar a vida nas suas contradições:
“VANINA- Disse-te que gostava de ti com todo o meu coração. (…) Tu não compreendes que depois de ter passado este tempo todo pensar em ti, eu vou endoidecer por tu ficares noivo de outra mulher?
PIETRO – Apaixonares-te por uma homem que viste só uns instantes é uma coisa que não existe. É uma história dos romances de cavalaria.
VANINA – Eu sou como os romances de cavalaria.
(…)
PIETRO – Falas como um romance e como uma balada. A vida não é assim!
VANINA – Apaixonei-me pela tua voz que é cheia de luz e sombras.
PIETRO – Bem, isso é mais lógico e real. Mas em Veneza todas as mulheres estão apaixonadas pela minha voz”.

“O Colar” é assim uma peça, ou poema, sobre a perda de inocência, mas contra o cinismo, na qual “parece que estamos num quarto de brinquedos ou numa casa de bonecas”.

Mas, em súmula, duas peças que nos dão uma perspetiva poética do palco da vida…


Texto
de
Álvaro Nunes
 


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