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200 ANOS DE PREGÕES NICOLINOS
Por António Loureiro (Professor), em 2017/10/171014 leram | 0 comentários | 162 gostam
Data de 1817 o primeiro Pregão Nicolino cujo texto chegou aos nossos dias. Nesta efeméride, perpassa porém e acima de tudo, no seu teor satírico e retórico, declamado pelas ruas da cidade, 200 anos da vida e sociedade vimaranense.
Com efeito, constituindo-se como um precioso documento da História local, mas também nacional e mundial, a leitura dos Pregões Nicolinos traz-nos à memória acontecimentos marcantes como a chegada da luz elétrica e do automóvel, a implantação da República, o 25 de Abril, entre muitos outros eventos do quotidiano, geralmente escritos em escorreito estilo literário e de forma erudita, nos quais não faltam sequer as frequentes referências à mitologia clássica em paralelo com as novas tecnologias advenientes.

O Pregão de 1901 de Arnaldo Pereira faz eco desses novos tempos:
“Guimarães! Guimarães! Como tu estás mudada!
Desde que tens polícia, a grande força armada.
E galgas a Avenida, arfando a tais abalos
Nos carros a vapor do Cosme … a três cavalos.

Por seu turno, o Pregão de 1903 de João de Meira reporta em tom sarcástico a chegada da luz elétrica a Guimarães:
“Um – Ah! atroador, um – Ah! de grande espanto
Subiu de cada rua, ouviu-se em cada canto
Guimarães tinha luz levada do diabo
Que arde sem pavio e acende por um cabo
Luz que não deita fumo, luz que não faz morrão,
Luz que lhe dá um ar de civilização:
Luz da melhor que, enfim, ó suprema ironia,
Falta às vezes de noite e acende-se ao meidia!”

Mas, para além dos eventos, geralmente ironizados, há também nos pregões exaltações e passagens laudatórias à terra vimaranense, o elogio ao patrono S. Nicolau, e várias críticas sociais e políticas, com espírito contestatário e irreverente; e claro, ao nosso Vitória! Mas também as referências às damas e ao culto do amor, pois são elas o cerne destas festas.
É o caso, entre muitos, do Pregão de 1908 de Delfim Guimarães, no qual se assume um certo tom brejeiro:
“Ó Evas tentadoras:
Deixai que a nossa boca, em ânsias pecadoras
Oscule essas maçãs tão rubras, sazonada,
Que o vosso rosto tem, ó Evas desejadas
Mesmo a dizer papai-nos, filhos, sem remorso
Que não vos fica, não, na garganta o caroço …”

Refira-se que este número Nicolino, primitivamente designado “Bando Escolástico”, servia antigamente para anunciar as Festas Nicolinas, que na altura se resumiam a dois dias: 6 dezembro, dia de S. Nicolau e a véspera, na qual se realizava o Pregão. Ao que se supõe esta tradição radicaria no costume medieval de publicitação de mensagens através dos arautos. Talvez por isso o cortejo do Pregão evidencie, ainda hoje, um certo ritual cerimonioso: lidera-o o 1º. Vogal da Academia Vimaranense, montado a cavalo, ostentando a sua bandeira e trajando a rigor o traje tradicional vimaranense, com luvas brancas e camisa “irópito” (camisa de colarinhos levantados), que é seguido por um coche puxado por duas parelhas de cavalos, com cocheiro e trintário, transportando os principais membros da Academia e o Pregoeiro, que se distingue pela mascarilha branca. Imediatamente atrás seguem os restantes membros da Comissão de Festas em traje de trabalho e outros estudantes, chefiados pelo Chefe de Bombos com a sua “boneca” que marcará o toque de pregão.

 Quanto ao desfile do Pregão, iniciado no Campo da Feira e terminado no Toural, cinco paragens são emblemáticas para a sua recitação: a Câmara Municipal de Guimarães, a Escola Secundária Martins Sarmento (ex-Liceu Nacional de Guimarães), a casa da Senhora Aninhas na Rua de Santa Maria, a Praça de Santiago, local de encontro da juventude vimaranense e a Torre dos Almadas, sede dos Velhos Nicolinos.

Mais importante, é porém a divulgação diacrónica de alguns textos de pregão e de alguns dos seus mais famosos autores, que a AAELG/Velhos Nicolinos em boa hora compilou na obra “Pregões de S. Nicolau desde 1817”.
 
Comecemos exatamente pelo Pregão de 1817, de João Evangelista de Morais Sarmento, no qual curiosamente há uma referência à Renda de Urgezes (ver artigo 300 anos da Renda de Urgezes) e uma ameaça velada ao seu rendeiro:
“O Rendeiro a não estar bem preparado
há-de ser no Toural arcabuzado”.

Assunto que no pregão de 1827, de autor desconhecido, se volta à carga:
“Tu bem o sabes já, grande rendeiro
não queiras ser este ano marralheiro
Respeita a propriedade que é sagrada
e não dês do pior, que é velhacada.
As maçãs, de ouro não, mas tão perfeitas
Tão dignas de ser dadas, ser aceitas;
As castanhas que sejam bem assadas,
Bem secas, limpas e lauritostadas;
As nozes chamar-te-ão pragas mordazes
Se pedras as acharem os rapazes
E os tremoços se melados forem
Serão para ti emplastrarem e comporem;
Reduzida que seja a palha a bom dinheiro
Fica a palha para ti no teu celeiro”.

É óbvio que neste(s) curto(s) texto(s) não cabem dois séculos de história(s)! Por isso, optaremos assim por destacar alguns autores. Bráulio Caldas, autor do Pregão de 1896, é um deles:
“Este ano há novas leis: pois fica revogado
O antigo chafariz por ter sido mudado
Tiraram-no do Toural, apanhado o ensejo
De ninguém contestar a acção do seu despejo”.

Mudam-se os tempos e as vontades e já neste século o chafariz regressou ao Toural.
Outro autor de referência é João de Meira, que no seu pregão de 1904 introduz historicamente, pela primeira vez, a expressão festa Nicolina:
“Rapazes! Nossa música divina
Capaz de estremunhar até Morfeu!
A música da festa Nicolina
Que a terra abale e desconjunte o Céu!
Mais força, se é possível, mais ferina
Que nada é bastante este escarcéu!
Façamos tal restolho, tal chinfrim
Que o inferno pareça aqui assim”.

Mas 1904 é também o ano da abertura da linha férrea a Fafe (hoje já encerrada), parodiada nesta passagem:
“ Mas se quereis melhor, em reinação
Vamos todos a Fafe um belo dia
Está pronta a linha! É rápida. Talvez
Ir e volta não leve mais de um mês”.

Mas sobre os pregões dos século XX e XXI voltaremos com novo texto …

Texto escrito por,
Álvaro Nunes


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