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DIA MUNDIAL DA POESIA (II)
Por António Loureiro (Professor), em 2017/02/15626 leram | 0 comentários | 124 gostam
Outro poeta nascido em 1867, já lá vão 150 anos, foi Camilo Pessanha (CP). Deste modo e a propósito do Dia Mundial da Poesia (21 de Março), recordamos aqui e agora esse outro vate finissecular, que terá sido o expoente máximo do simbolismo português.
Camilo Pessanha (1867-1926) nasceu em Coimbra, onde se formaria em Direito, em 1891. Porém, grande parte da sua existência seria vivida em Macau, terra que geraria uma mudança radical da sua vida e onde acabaria por falecer, após vários anos de exercício profissional no território macaense, em funções no âmbito da justiça, ensino e como conservador do registo predial e também em profícua atividade como estudioso e tradutor da cultura chinesa.
Quanto à sua obra, inicialmente e esparsamente divulgada em revistas e jornais e mais tarde coligida no volume Clepsidra (1920), reflete acima de tudo um tom de angústia, desencanto e inquietação perante a efemeridade da vida, bem como uma marcante apologia e mística da dor, tal como Raúl Brandão. Uma poesia melancólica e pessimista de uma mundividência marcada pela ótica da dolorosa da existência, como é por exemplo evidente no poema “Castelo de Óbidos”:
 
“O meu coração desce
Um balão apagado?
Melhor fora que ardesse
Nas Trevas incendiado.”
 
Clepsidra, título da sua coletânea lírica que reúne a sua produção poética, aponta assim, enquanto instrumento de medição cronológico, desde os ancestrais tempos gregos (o conhecido relógio de água) para esse fluir inexorável do tempo, impedindo que nada se fixe na retina, bem como para a fragilidade da vida e da condição humana. Um negativismo e conflito existencial que o poema “Inscrição”, logo de início anuncia:

“Eu vi a luz em um país perdido
A minha alma é lânguida e inerme,
Oh! Que pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme.”

Considerado o mais importante representante do simbolismo português, Pessanha oferece-nos assim uma poesia em que a técnica impressionista é dominante, dotada de um cariz claramente cético e pessimista, embora não confessional, cuja temática mais relevante assenta na transitoriedade da vida, na mágoa e dor, no tédio e desilusão, no sono abúlico e mesmo na morte, patente no desejo de desaparecimento silencioso e infiltração no cosmos.

Perpassa assim na sua poesia, uma evidente perceção da fugacidade e caducidade da vida e a dolorosa consciência de que a realidade não passa de imagens rápidas e passageiras e/ou sonhos transitórios evanescentes ou mesmo dúbios:
 
“Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte pra nunca mais! …




Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
- Porque ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são os meus olhos abertos?
- O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos …

Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão causal de meus dedos incertos,
- Estranha sombra em movimentos vãos.
  
As imagens recorrentes do tempo, espelho e a água (como no soneto transcrito), o amor pelas paisagens outoniças e crepusculares, um certo distanciamento do real, assente na arte da sugestão e musicalidade, não só pela sonoridade dos versos como também pela sua ressonância interior, são com efeito algumas marcas simbolistas do poeta.
Música que expressa através de 3 instrumentos musicais: a flauta enquanto temporalidade suspensa; a viola relacionando-se com a solidão; e o violoncelo ligando-se a sentimentos de destruição, ruína e fragmentação, que o excerto abaixo transcrito claramente evidencia, ao deslocar para o objeto (violoncelo) o estado de alma do sujeito lírico:

“Chorai arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo …
(…)
Urnas quebradas!
Blocos de gelo …
Chorai arcadas,
Despedaçadas
Do violoncelo”.

Relevante também a influência do simbolismo português e de Pessanha em particular, na antecipação de alguns princípios das tendências modernistas, cujos principais representantes manifestariam alguma simpatia por esta nova corrente literária. Fernando Pessoa, por exemplo, endereçou-lhe uma carta elogiosa, com o seguinte teor: “(…) o meu pedido é que V. Exª. permitisse a inserção, em lugar de honra do terceiro número, de alguns dos seus admiráveis poemas (…) Nós não pedimos só por nós, mas por todos quantos amam a arte em Portugal”. Como é óbvio, Pessoa referia-se à publicação de poemas de CP na revista “Orpheu” (1915), que nunca seria editada, acabando estes por serem publicados na revista “Centauro”, em 1916.

Interessantes serão também as leituras dos sonetos do tríptico “Caminho”, bem como do poema a seguir apresentado, redigido aquando da morte da mãe e que pela sua polissemia poderá facultar uma interpretação mais ou menos biografista e/ou simbolista:

“Quem polui, quem rasgou os meus lençóis de linho.
Onde esperei morrer – meus tão cansados lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?

Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear –tábua tosca, de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco …

Ó minha pobre mãe! … Não te ergas mais da cova
Olha a noite, olha o vento. Em ruínas a casa nova …
Dos meus ossos o lume a extinguir-se em breve.

Que dizer então das interrogações laceradas deste soneto?
Um poema sobre o processo violento da destruição a que nada há se lhe possa opor, bem como a temática da recusa do passado, que a mãe simboliza e que simultaneamente em absoluta negatividade, prepara a abertura para a morte?
Ou um poema de convocação da mãe e da dor sentida pela sua morte, que privou o eu lírico da sua intimidade, presente nos símbolos de pureza que foram torpemente violados?

Não cabe aqui e agora alongar mais esta dissertação sobre CP e/ou transcrever outros seus poemas como “Floriram por engano as rosas bravas”, “Singra o navio. Sob a água escura” ou “ Passou o Outono já, já torna o frio”, entre outros.
Importa sim (re)ler e recordar Camilo Pessanha, o mestre do simbolismo português.


Texto escrito por,
Álvaro Nunes


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