RAUL BRANDÃO | |
Por António Loureiro (Professor), em 2015/03/09 | 519 leram | 0 comentários | 143 gostam |
Entre 9 e 14 de março, no contexto do aniversário de Raul Brandão, nascido a 12 de Março e no âmbito da sua I Semana Cultura, a Junta de Freguesia de Nespereira vai evocar o escritor,que longos anos residiu nessa freguesia, na Casa do Alto. | |
Efetivamente, Raul Brandão (RB) merece ser recordado. De facto, em Guimarães, onde o escritor foi militar ao serviço do Regimento de Infantaria 20 (1896), na altura sediado nos atuais Paços dos Duques de Bragança e aqui casado com Maria Angelina Brandão e mais tarde sepultado, RB viveu parte significativa da sua vida na urbe vimaranense, que fazendo jus ao ditame de ser boa mãe e boa madrasta o consagraria como um dos seus na toponímia citadina e na Biblioteca Municipal que ostenta o seu nome (ler programa comemorativo destacamos em separado). Raul Brandão (1867-1930), nascido na Foz do Douro (Porto), filho e neto de homens do mar, uma dos temas recorrentes na sua vasta obra, em especial em “Os Pescadores” (1923), iniciou-se na escrita com a obra Impressões Paisagem (1890), conciliando sua carreira militar com a carreira jornalística. Porém, como escritor, RB dividiu as opiniões dos especialistas da crítica literária, que oscilaram entre o louvor perentório de Pascoaes e do círculo saudosista e o alheamento ou a condescendência de alguns outros críticos e escritores. Óscar Lopes, por exemplo, entende que “poucos autores portugueses deixaram até nós um rasto tão visível”, evidenciando seu legado e a sua faceta de precursor da modernidade ficcional portuguesa e o seu percurso de criador extremamente original, para lá de modelos e de modas, partindo duma poética do “espanto” e da fragmentação do eu como autor-narrador. Castelo Branco Chaves, por seu turno, diz que “Brandão não é um novelista, como não é um dramaturgo, como não é historiador, nem memorialista; Brandão é somente um homem que, possuindo um assunto – a sua visão tenebrosa da vida, - escreve. Opiniões à parte, RB é contudo um exemplo paradigmático do escritor de transição entre o romantismo republicano (com especiais de influências de Garrett e Camilo) e o modernismo, bem como um caso marcante de confluência de influxos culturais francesas (Victor Hugo, Baudelaire, Verlaine e Mallarmé); e ainda dos escritores russos como Tolstoi, Gorki e em particular Dostoievski e os movimentos de ideais sociais revolucionários que exaltam os “humilhados e ofendidos”. Outrossim, um autor que rompendo com o decadentismo finissecular nos deixou uma obra rica na gama das tonalidades humanas das suas personagens, por vezes moldadas entre o trágico e o grotesco. Quanto à sua vasta obra, ela é particularmente variada e original. Com efeito, além das evocações históricas, escritas após a revolução republicana de 1910 a que RB esteve de certo modo ligado, entre as quais se destacam A Conspiração de 1817/A Conspiração de Gomes Freire (1914/17), O Cerco do Porto (1915), sobre a guerra civil e El-rei Junot (1912), este último acerca das invasões francesas, obras em que transparece a meditação sobre a dor humana, RB deixou-nos também as suas Memórias que nos seus três volumes cobrem o período histórico compreendido entre o fim da monarquia e regicídio e a I República. Paralelamente, no último decénio da vida, abarca também a criação literária dramática, com peças teatrais emblemáticas como o Gebo e a Sombra, Rei Imaginário e O Doido e a Morte (1923), que Luiz Francisco Rebello considera “um dos raros momentos verdadeiramente geniais do nosso teatro” , em especial pelo jogo cénico das personagens absurdas; composições teatrais a que acrescenta posteriormente a tragicomédia Jesus Cristo em Lisboa, em colaboração com Teixeira Pascoaes (1927), Eu sou um homem de bem (1927) e O Avejão (1929). Esta diversidade abrange igualmente a obra Portugal Pequenino (1930) livro escrito em colaboração com sua esposa que nos faculta uma visão de Portugal que contrasta com o mítico Portugal das descobertas e do sebastianismo e ainda O pobre de pedir (1931), escrito três meses antes da morte, no qual em forma de diário se exprime o pavor do “nada absoluto” e a ânsia de redenção pessoal. Num outro registo e no âmbito dos livros de viagens oitocentistas , acrescentam-se ainda Os Pescadores (1923) e as Ilhas Desconhecidas (1926) que nos revelam Portugal insular, obras que fundem anotações sobre paisagens, lugares, costumes e problemas sociais e que no seu tempo foram as alcançaram maior sucesso editorial. É porém Húmus (1917) o grande pólo de atração da obra brandoniana e a convergência suprema de toda a potencialidade criadora de RB. José Régio considera-o um “livro desconcertante, caótico, fragmentário” que “se não fora uma obra genial, não resistiria aos seus defeitos”. E acrescenta: “é na História de um Palhaço (1896), na Farsa (1893) e no Húmus que o temperamento originalíssimo do escritor se revela. E são destes livros as páginas que ele deixa para a eternidade. Junto-lhes O Doido e a Morte, que é uma afirmação de génio”. Quanto à Farsa é provavelmente a obra de RB onde Guimarães está presente com mais evidência. Leia-se a propósito o texto “Cucúsio” sobre as posses nicolinas. Em súmula, diremos que três facetas principais perpassam na sua obra: a inquirição metafísica, a efabulação da dor e a atmosfera poética. De facto, enfatiza-se que as suas obras pertencem ao domínio da criação poética, embora seu aspeto formal indique o contrário e quiçá por isso João Gaspar Simões o considera “a antítese do romancista” . Escritor da meditação sobre a condição humana, de um certo pessimismo radical e atitude niilista, na obra de RB sente-se ainda uma certa empatia pelos humilhados e ofendidos e a utopia libertária, que suas próprias palavras refletem claramente: “espero pelo dia – mesmo na cova o espero – em que acabe a exploração do homem pelo homem”. Mas para além da sua obra de singular expressionismo, que põe em causa as conceções literárias vigentes da sua época, o mais importante do legado brandoniano é porventura que abriu o romance à reflexão metafísica e antecipou a literatura de inspiração existencialista, o romance do absurdo e a requestionação formal do noveau roman. Artigo escrito por Álvaro Nunes (professor aposentado) | |
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