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RAUL BRANDÃO
Por António Loureiro (Professor), em 2017/01/03962 leram | 0 comentários | 148 gostam
Comemora-se no próximo dia 12 de março, data de nascimento de Raul Brandão, o 150º. aniversário do nascimento do escritor, cujo programa comemorativo se iniciou no ano transato.
Comemora-se no próximo dia 12 de março, data de nascimento de Raul Brandão, o 150º. aniversário do nascimento do escritor, cujo programa comemorativo se iniciou no ano transato. Simultaneamente, passam cem anos da publicação de “Húmus”, a sua obra mais emblemática. Ora, efetivamente, Raul Brandão (RB) merece ser recordado pela sua obra, especialmente em Guimarães, pois aqui viveu parte significativa da sua vida e por isso cá se encontra consagrado na toponímia citadina e na Biblioteca Municipal que detém o seu nome.
Raul Brandão (1867-1930), nascido na Foz do Douro (Porto), filho e neto de homens do mar, uma dos temas recorrentes na sua vasta obra, em especial em “Os Pescadores” (1923), iniciou-se na escrita com a obra Impressões Paisagem (1890), conciliando sua carreira militar com o jornalismo e a via literária.
Como escritor, RB recolheria o louvor perentório de Teixeira de Pascoaes e do círculo saudosista, bem como de vários conceituados críticos literários, não obstante o alheamento ou a condescendência de alguns. Óscar Lopes, por exemplo, entende que “poucos autores portugueses deixaram até nós um rasto tão visível”, evidenciando seu legado e a sua faceta de precursor da modernidade ficcional portuguesa e o seu percurso de criador extremamente original, para lá de modelos e de modas, partindo duma poética do “espanto” e da fragmentação do eu como autor-narrador. Na mesma esteira, Vergílio Ferreira considera “Raul Brandão , de todo este meio século, o escritor mais atual – e eu gosto bem de frisar isto porque Raul Brandão não foi ainda valorizado como devia sê-lo”.
Opiniões à parte, RB é contudo um exemplo paradigmático do escritor de transição entre o romantismo republicano e o modernismo, marcadamente influenciado escritores russos, em particular Dostoievski e os movimentos de ideais sociais revolucionários que exaltam os “humilhados e ofendidos”; e como diz na entrevista concedida ao jornal republicano vimaranense “A Velha Guarda” de 7 de dezembro de 1930, publicada dois dias após a sua morte, marcado particularmente pelos “escritores de memórias” como Saint Simon e o Cardeal Metz, entre outros e ainda e mais profundamente por três mulheres da sua vida: sua mãe, sua velha criada Maria Emília e sua esposa Maria Angelina.
Quanto à sua vasta obra, ela é particularmente variada e original. Com efeito, além das evocações históricas, escritas após a revolução republicana de 1910 a que RB esteve de certo modo ligado, entre as quais se destacam A Conspiração de 1817/A Conspiração de Gomes Freire (1914/17), O Cerco do Porto (1915), sobre a guerra civil e El-rei Junot (1912), este último acerca das invasões francesas, obras em que transparece a meditação sobre a dor humana, RB deixou-nos também nos três volumes das suas Memórias uma visão pessoal do período histórico compreendido entre o fim da monarquia e regicídio e a I República. Paralelamente, no último decénio da vida, abarca também a criação literária dramática, com peças teatrais inesquecíveis como o Gebo e a Sombra, O Rei Imaginário e O Doido e a Morte (1923), que Luiz Francisco Rebello considera “um dos raros momentos verdadeiramente geniais do nosso teatro” , em especial pelo jogo cénico das personagens absurdas. Esta diversidade abrange igualmente o seu último título Portugal Pequenino (1930), livro escrito em colaboração com sua esposa, que nos faculta uma visão de Portugal contrastante com o mítico Portugal das descobertas e do sebastianismo, obra especialmente recomendada para o 1º. e 2º. ciclos; e ainda O Pobre de Pedir (1931), escrito três meses antes da morte, no qual em forma de diário se exprime o pavor do “nada absoluto” e a ânsia de redenção pessoal. Num outro registo e no âmbito dos livros de viagens , acrescentam-se ainda Os Pescadores (1923) e as Ilhas Desconhecidas (1926) que nos revelam Portugal insular, bem como “ A Pesca da Baleia e outras narrativas”, obra recomendada para o 7º. ano pelo Plano Nacional de Leitura.
É porém Húmus (1917) o grande polo de atração da obra brandoniana e a convergência suprema de toda a potencialidade criadora do autor. José Régio considera-o um “livro desconcertante, caótico, fragmentário” que “se não fora uma obra genial, não resistiria aos seus defeitos”. E acrescenta: “é na História de um Palhaço (1896), na Farsa (1893) e no Húmus que o temperamento originalíssimo do escritor se revela. E são destes livros as páginas que ele deixa para a eternidade. Junto-lhes O Doido e a Morte, que é uma afirmação de génio”. Quanto à Farsa é provavelmente a obra de RB onde Guimarães está presente com mais evidência. Leia-se a propósito o texto “Cucúsio”, inserido no capÍtulo III da obra e o artigo intitulado “Raúl Brandão e Guimarães”, inserto neste jornal escolar.
Em súmula, diremos que três facetas principais perpassam na obra de RB: a inquirição metafísica, a efabulação da dor e a atmosfera poético . Deste modo, como escritor da meditação sobre a condição humana, assoberbado por um certo pessimismo radical e atitude niilista, sente-se na obra brandoniana uma certa empatia pelos humilhados e ofendidos e pela utopia libertária, que suas próprias palavras refletem claramente:
“espero pelo dia – mesmo na cova o espero – em que acabe a exploração do homem pelo homem”.
 Mas para além da sua obra de singular expressionismo, que põe em causa as conceções literárias vigentes da época, o seu mais importante legado é porventura a abertura do romance à reflexão metafísica e antecipação da literatura de inspiração existencialista, bem como ao romance do absurdo e a requestionação formal do noveau roman.
São assim de saudar as comemorações que a Câmara Municipal vem lançando desde 2016, às quais certamente o Agrupamento Gil Vicente se tem associado, uma vez que o escritor viveu vários anos na Casa do Alto, em Nespereira. Porém, este novo ano reserva-nos ainda muitas outras iniciativas, entre as quais a edição das cartas de amor de Raul Brandão e Maria Angelina, a representação de algumas peças teatrais do escritor nas escolas concelhias e/ou a recriação ao vivo do texto “Cucúsio”, aquando das posses e Festas Nicolinas de2017, entre muitas outras surpresas …


 Texto de Autoria do Professor
Álvaro Nunes


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