PORTUGUÊS FAZ 800 ANOS | |
Por António Loureiro (Professor), em 2014/01/14 | 742 leram | 0 comentários | 163 gostam |
Segundo alguns historiadores e estudiosos linguísticos, a Língua Portuguesa faz 800 anos no próximo dia 27 de Junho, uma vez que data de 27 de Junho de 1214 o primeiro documento oficial escrito em português, o Testamento de D. Afonso II. | |
Segundo alguns historiadores e estudiosos linguísticos, a Língua Portuguesa faz 800 anos no próximo dia 27 de Junho, uma vez que data de 27 de Junho de 1214 o primeiro documento oficial escrito em português, o Testamento de D. Afonso II, não obstante esta ocorrência não colher unanimidade. De facto e de acordo com outros historiadores da língua, esse nosso primeiro texto teria sido o Auto das Partilhas (1192) ou a Notícia do Torto, também de 1214. Inclina-se contudo a maioria para a data de 1214 e para Testamento de D. Afonso II como o primeiro documento oficial escrito em português, praticamente um século depois da independência portuguesa: “En nome de Deus, Eu, rei Don Afonso, pela gracia de Deus rei de Portugal, seendo sano e salvo, temete o dia de mia morte, a saúde de mia alma, e a proe de mia molier, raina Dona Orraca, e de meus filios e de meus vassalos e de todo o meu reino, fiz mia mãda, per que, de pós mia morte, mia molier e meus filios e meu reino e meus vassalos e todas aquelas cousas que Deus mi deu en poder sten en paz e en folgãcia. Primeiramente, mãdo que meu filio, infante Don Sancho, que ei da raina Dona Orraca, agia meu reino entegramente e em paz …” Porém, se o português aqui começa formalmente, longo foi e é ainda o caminho da sua construção, pois as línguas como os seres que a falam, evoluem, transformam-se sincronicamente e diacronicamente, sofrendo como nós, simples e efémeros falantes, a angústia do tempo e a força da mudança. De facto, se a fase histórica do português se iniciou nos séculos XII/XIII, ainda que por vezes acompanhada pelo chamado latim bárbaro, a língua portuguesa passou inicialmente por dois períodos distintos: o período do português arcaico, que se estendeu até ao século XVI e que numa primeira fase (fase do galaico-português) compreendia um idioma comum às gentes de Portugal e Galiza; e posteriormente, uma segunda fase, entre os séculos XIV a XVI, quando ambos os idiomas se separam. Todavia, este tempo de transformações que duraria cerca de quatro séculos e propiciaria passagem para o período do português moderno, no decurso do século XVI e que se estenderia até aos nossos dias, foi antecedido de um grande percurso anterior, entre os séculos VIII e XII, o denominado período do português proto-histórico, em que o latim bárbaro surge juntamente com raras expressões e vocábulos do romanço galaico-português. Não cabe aqui e agora historiar exaustivamente a génese da nossa língua, que se perde na poeira dos tempos e cujo berço mais remoto recua ao chamado grupo linguístico indo-europeu, no século V antes de Cristo, que se teria ramificado e dado origem a 12 grupos de idiomas diferenciados, um dos quais o itálico, precursor do latim. De facto foi o latim vulgar, falado pelo povo e introduzido na Península Ibérica durante as invasões romanas , iniciadas em 218 a.C. e a posterior romanização, que vai constituir o adstrato e a matriz fundamental da língua portuguesa, a que se acrescem outros contributos menores de vocábulos pré-latinos dos povos celtas e iberos, entre outros, que vão ser assimilados como substratos da língua. Depois, após as invasões dos bárbaros, em especial dos suevos e dos visigodos, em 411 d.C., o idioma em formação sofre novos contributos destas civilizações , superstratos da língua a que mais tarde se ajunta o árabe, após a invasão deste povo da Península Ibérica, ocorrida entre 711 d.C. , que duraria até à ulterior reconquista cristã, no século XII. Mas, nesta longa história e caminhada muitos foram outrossim os obreiros da formação da nossa língua, que largamente contribuíram para a sua libertação, independência e consolidação. Recordaria, entre outros, o rei D. Dinis, que ordenou que todos os documentos oficiais fossem escritos em português, o cronista Fernão Lopes que enriqueceu nossa língua com mestria e expressividade e Gil Vicente, nosso patrono, autor de várias peças e pai do teatro português, que de forma bastante intensa participou na fixação e enriquecimento da língua portuguesa. Algumas das maiores transformações da língua portuguesa dão-se contudo no século XVI , altura em que ocorre a sistematização e a fixação definitiva do idioma, não só por influência dos humanistas, entre os quais se destaca Camões, mas também pela divulgação do livro, devido à invenção da imprensa. É neste período que surgem as primeiras gramáticas da língua portuguesa como a de Fernão Lopes (1536) e a de João de Barros (1539) e os primeiros dicionários, no século XVII. No entanto, a língua não para e continua a evoluir, a transformar-se e a enriquecer-se. Por isso, nos tempos mais recentes, a língua passa a incluir no seu corpo linguístico vários galicismos, anglicanismos, espanholismos e outros “ismos”, mercê das trocas comerciais e contatos com novos povos. De particular referência, no caso português, foi o período anterior, na época dos descobrimentos, que se traduziu no enriquecimento lexical da nossa língua, com vocábulos de origem africana (batuque, tanga, cachimbo, moleque, etc), asiática (bambu, bule, pires, chá, junco, quiosque, etc) e americana (canoa, tomate, xícara, etc). Efetivamente, ao longo da sua caminhada a língua portuguesa interagiu com muitas línguas de diferentes povos em vários continentes: na América (Brasil), nas ex-colónias africanas de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe e na Ásia, em especial em Timor, povos entre os quais colheu importantes dádivas vocabulares, mas acima de tudo deixou a sua marca. Com efeito, ao longo da sua árdua caminhada, a língua portuguesa deixou marcas em territórios americanos, africanos e asiáticos, sendo hoje falada por cerca de 180 milhões de falantes e constituindo-se como a quinta língua mais faladas em todo o mundo. Curiosamente, em particular na década de 50/60, “foi ao mesmo tempo, embora em espaços diferentes, língua de emigrantes e língua de colonizador” . Deste modo, considerada língua exótica dos “les portos” pelo chauvinismo francês e falada por cerca de 2 milhões e meio de emigrantes, foi também uma língua de ascensão social, pois a língua portuguesa, mesmo na guerrilha africana, era, no dizer de Amílcar Cabral, “uma das melhores coisas que os tugas nos deixaram”. No entanto, a língua não para de evoluir e constantemente vão surgindo novas palavras para responder a novas realidades tecnológicas, científicas e sociais. São os chamados neologismos, palavras novas que se integram na língua e que continuamente testemunham o dinamismo do idioma, como o são em especial os neologismos de procedência técnica (cassete, disquete, patologia, seropositivo, televisão, etc). Mas também os neologismos de ordem literária, que remetem para a expressividade e criatividade linguística, patentes nas obras de Eça de Queirós e posteriormente em Mia Couto, entre outros, ou os neologismos de origem popular (liru, pinoca, rambóia, cavala, etc), que tendem, segundo Ernesto Guerra, a “ suscitar cómico ou o pitoresco expressivo, que revitalizam formas gastas de dizer” ou “ servem de veículo a matizes de percepção difíceis de traduzir nos termos existentes”. Celebrar a língua, de várias formas e maneiras, nas suas variantes e diversidade, representa portanto, neste ano de 2014, brindar aos 800 anos da nossa própria vida coletiva e individual, pois “… é pela língua que o ser se conhece, a língua é a morada do ser.” | |
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