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NA BARCA DE MESTRE GIL
Por Conceição Páscoa (Professora), em 2020/06/09834 leram | 0 comentários | 163 gostam
Infelizmente, contra o que é costumeiro todos os anos, desta feita não ocorreram os Festivais Gil Vicente em Guimarães! Como em muitas coisas a suceder nestes tempos, a culpa é a pandemia do Covid-19, que tarda em embarcar na barca do inferno.
Mas quem é ou foi Gil Vicente
- o patrono do Agrupamentos de Escolas Gil Vicente, com sede em Urgezes?
- o nome de uma rua e, Guimarães, desde 1873?
- a personalidade evocada no monumento ao teatro português, situado na Alameda de S. Dâmaso, inaugurado em 2002, recordando os 500 anos após a sua primeira peça teatral?
- o nome de um jornal vimaranense que se publicou entre 1918 e 1921 e nos anos 1923/1924?
- a denominação de uma casa de teatro em Guimarães (1882)?
- o nome de um clube de futebol da Liga Profissional, com sede em Barcelos?

Bem, de facto Gil Vicente é ou foi tudo isto!
 E embora, o local do seu nascimento seja disputado por várias cidades (Lisboa, Barcelos e Guimarães), tudo leva a crer que terá nascido em Guimarães, por volta do ano 1465. E é por isso que, por cá, e anualmente, se evoca o autor, nos Festivais Gil Vicente, geralmente entre maio e junho e a nossa escola o adotou como seu patrono.
De facto, assim conta o escritor Camilo Castelo Branco, na sua novela “A Viúva do Enforcado”, narrativa inserida nas “Novelas do Minho”:

“A arte da ourivesaria foi cultivada primorosamente em Guimarães no século XV.
Daqui saiu Gil Vicente, o lavrante da Rainha Dona Leonor, mulher de D. João II. Fez aquela galantaria da Custódia de Belém, que o leitor não trocaria decerto pelas delícias de reler os autos e comédias que ele fez também, o nosso Shakespeare. (…)
Pelo que pertence à terra natal de Mestre Gil, não impugno a hipótese que confere tamanha honra a Guimarães, embora Lisboa e Barcelos disputem essa glória ao berço da monarquia; mas um notável genealógico, o desembargador Cristóvão Alão de Moraes, escreveu há dois séculos que o Plauto português era filho de Martim Vicente, ourives de prata, natural de Guimarães. Se eu pudesse desconfiar da infalibilidade dos linhagistas justificá-los-ia um documento que possuo de 1455, vinte anos talvez mais novo que Gil Vicente. Com toda a certeza vivia então na Caldeiroa, arrabalde, o sapateiro Fernão Vicente pai de Martim Vicente. Este morava então no Casal da Laje, freguesia de Santo Estevão de Urgezes. Aqui, provavelmente, nasceu Gil Vicente”.

Ora, Gil Vicente que também parece ter sido ourives e autor da preciosa obra-prima da ourivesaria portuguesa, conhecida por Custódia de Belém, foi acima de tudo um grande autor de peças teatrais, sendo considerado o pai do teatro português.
De facto, Gil Vicente escreveu dezenas de peças de teatro, algumas das quais irás estudar no 9º. e 10 anos, como o “Auto da Barca do Inferno”, o “Auto da Índia” ou o “Auto da Feira”, entre outras, cujos textos e personagens retratam com comicidade e sentido crítico os vícios e costumes da sociedade portuguesa do período dos Descobrimentos: o século XVI.

Mas, sabias que Gil Vicente já deu motivos, na primeira metade do século XX, a ser considerado feriado municipal da cidade de Guimarães?

Realmente em 15 de janeiro de 1913,a Câmara Municipal de Guimarães, presidida por Mariano Felgueiras, aprovou o dia 8 de junho a proposta de consagrar este dia com feriado municipal do concelho de Guimarães:

“Considerando que a cidade de Guimarães justamente se orgulha de ser a terra onde nasceu Gil Vicente, o insigne poeta dos Autos;
Considerando que foi em 8 de Junho de 1502 que Gil Vicente recitou, pela vez primeira, o Monólogo de um Vaqueiro, fundando assim o teatro português.
(…)
Proponho que a Municipalidade de Guimarães considere feriado, dentro da área do concelho, o dia 8 de Junho de cada ano, por nesse dia passar o aniversário da fundação do teatro português pelo vimaranense Gil Vicente


Ora, de facto, 8 de Junho 1502, assinala o dia em que Gil Vicente apresentou a D, Leonor viúva de D. João II, o Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação, escrito para comemorar o nascimento de príncipe João: o futuro rei D. João III.
Assim, esta peça teatral passou a considerar-se o início do teatro português, e Gil Vicente “por ter sido um vimaranense” mereceria esta distinção, como “glorioso iniciador do Teatro Nacional”.
 E, efetivamente, este feriado municipal vigoraria em Guimarães até 1951, em honra deste vimaranense ilustre, apenas sendo substituído em 1974 pelo dia 24 de Junho, data da Batalha de S. Mamede e Dia Um de Portugal.

Poeta, ourives e dramaturgo, encenador e até ator e músico, Gil Vicente terá sido um homem dos sete ofícios. Foi também Mestre da Balança na Casa da Moeda e viveu quase toda a sua vida em Lisboa, à volta do Paço Real.
Contam-se-lhe cinco filhos, resultantes de dois casamentos, entre os quais sobressaem os filhos Paula e Luís, do seu segundo casamento, que seriam os responsáveis pela primeira edição das suas obras completas.

Já lá vão mais de 500 anos, porém, Gil Vicente mantém-se vivo em Guimarães:

Gil Vicente deixou-nos autos,
mistérios, farsas, comédia,
Na cultura somos arautos
Desde o fim da Idade Média

Dos Autos dos Enganos ao da Feira,
Aos da Índia, Barcas ou da Festa,
Do fidalgo, frade, ou alcoviteira
Todos critica, culpa, e molesta!

Seja o Velho da Horta
Inês Pereira casamenteira
A todos a pena abre porta
De sátira bem zombeteira

 Mestre crítico, sem igual,
Dos costumes e moralidade
No teatro de seu Portugal
Fez o retrato da sociedade

Pai do teatro português
Aqui nascido e bem criado
De Guimarães se diz burguês
E como ourives cá talhado

Gil Vicente nosso patrono
Dos Festivais, nome de rua,
Num jornal foi (em) abono
E um teatro foi casa sua!-

Gil Vicente nosso conterrâneo
Mestre ourives e de peças
Estás vivo e contemporâneo
E ninguém te leva meças! …


Texto de Álvaro Nunes


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