MESTRE AQUILINO | ||||||
Por António Lourenço (Professor), em 2013/05/31 | 1201 leram | 0 comentários | 158 gostam | |||||
Perfazem cem anos da publicação "Jardim das Tormentas", a primeira obra de Aquilino Ribeiro. | ||||||
De igual modo, perpassam em 2013 cinquenta anos da morte do escritor. Ora, mestre Aquilino, não foi apenas o excelente prosador de um léxico colhido nos clássicos ou na fala rústica e popular de cariz regional, tão-pouco e um “inventor” de vocabulário, como muitos o querem fazer crer, mas acima de tudo um artista do estilo e “um criador de vida através da palavra (…) na reconstituição histórica e na evocação memorialística”, pelo que seguramente merece um lugar de destaque na literatura portuguesa e nossa memória, justificando-se plenamente a sua (re)leitura e (re)abordagem no nosso tempo. Nascido em 13 de Setembro de 1885, em Carregal de Tabosa, concelho de Sernancelhe (Beira Alta), filho de família humilde e pobre, Aquilino iniciou os seus estudos no Colégio da Senhora da Lapa, que prossegui nos anos seguintes em Lamego e Viseu, onde vai estudar Filosofia. Frequenta ainda no Seminário de Beja o curso de teologia, por pouco tempo, pois acabaria por ser expulso por se rebelar contra a disciplina vigente nesse estabelecimento de ensino. Em 1906 vem residir para Lisboa e dedica-se ao jornalismo na “Vanguarda” e mais tarde colabora regularmente nos jornais O Século, República e Diário de Lisboa, vinculando-se aos movimentos republicanos, que o acabariam de levar à pisão, devido a uma explosão ocorrida no seu quarto. Após fuga, vive clandestinamente em Paris até à proclamação da República, em 1910. Na capital francesa, aonde volta, frequenta Humanidades na Sorbonne, durante três anos, local onde priva com as lições de grandes mestres da filosofia francesa e da sociologia e conhece a sua primeira mulher, a alemã Grete Tiedemann, com quem casa. Aqui edita também o seu primeiro livro de contos “Jardim das Tormentas” (1913). De regresso a Portugal em 1914, quando rebenta a primeira guerra mundial, exerce funções docentes no Liceu Camões e posteriormente assume as funções de bibliotecário da Biblioteca Nacional de Lisboa, ligando-se a várias figuras importante das letras da época e à revista “Seara Nova”. Datam deste período até 1927, ano em que se exila em Paris por implicações na revolta contra ditadura militar, obras como Via Sinuosa (1918), Terras do Demo (1919), o livro de novelas Filhas da Babilónia (1920) e os contos Estrada de Santiago (1922), onde se incluía “Malhadinhas” , bem como o Romance da Raposa(1924). Após a perda da primeira mulher, casa-se de novo com Jerónima Machado, filha do Presidente da República Bernardino Machado, também exilado em Paris e retoma a escrita, que concilia com trabalhos de tradução, publicando entre outras obras O Homem que matou o diabo (1930), Mónica (1938), Lápides Partidas (1945), estes últimos já em Portugal, aonde retrocede, após uma amnistia. Entretanto, em 1933 recebe o Prémio Ricardo Malheiros, pela primeira vez instituído; em 1952 é homenageado e condecorado pelo governo brasileiro e em 1960 é proposta a sua candidatura ao Prémio Nobel de Literatura. Neste período, a sua produção literária atinge considerável vulto, publicando entre outras obras, Volfrâmio (1944), Cinco Réis de Gente (1948), Portugueses das Sete Partidas e Geografia Sentimental (1951), Casa Grande de Romarigães (1957) e Quando os Lobos Uivam (1958), este último posteriormente proibido pela censura e que em 2006 seria adaptado por Francisco Moita Flores para uma série televisiva da RTP, retratando a saga dos beirões em defesa dos terrenos baldios, durante a ditadura salazarista. Em 1962, um ano antes da sua morte e data da publicação de Tombo no Inferno, sua última obra, inicia a escrita das suas memórias (Um Escritor Confessa-se), cujo primeiro e único volume apenas será publicado em 1974. Contudo, entre as suas várias obras, a novela Malhadinhas é provavelmente a narrativa aquiliniana mais picaresca, reveladora do mundo rústico e do homem-bicho, que age segundo a lógica do instinto, cujo carácter se moldou nas dificuldades da vida. De facto, nesta história em 10 capítulos contada através da memória do narrador/personagem Malhadinhas, o herói e almocreve (recoveiro que transporta carga em bestas) recorda num tom quase-épico e irónico-cómico, cheio de lirismo e dramaticidade, as aventuras e vivências mais significativas da sua vida e do seu ofício entre Barrelas e Aveiro ( “Aveiro vai, Aveiro vem”), na sua luta pela sobrevivência, com as parcas armas que tinha: a língua, o pau ou a faca (“Que a minha língua era ponteira como a faca que trazia à cinta”- reconhece Malhadinhas). Urde-se assim na trama narrativa, como tema central, o relato da vida experimentada e dura de almocreve, carregada de saudosismo do passado que o narrador/personagem confronta com o presente e tempo de velhice (“Quando comecei a pôr vulto no mundo, meus fidalgos, era a porca da vida outra droga”). Mas também, como temas complementares, a afirmação do valor da vontade, uma vez que Malhadinhas lutou para vencer, bem como a denúncia da injustiça social, de acordo com os compromissos ficcionais neo-realistas: “ uma fogueira em cada outeiro para os ministros, os juízes, os escrivães e os doutores de má morte. Para estes decretava ainda cova bem funda…” – vocifera Malhadinhas. De facto, Aquilino foi também um político comprometido com o seu tempo, que o levou à prisão, ao exílio e à irradiação da função pública. Desde a oposição à ditadura de João Franco , no fim da monarquia, à luta contra o Estado Novo, patente nos seus apoios declarados nas campanhas eleitorais de Norton de Matos (1949) e Humberto Delgado (1958) e em várias intervenções cívicas, muitas delas presentes em seus escritos, Aquilino carbonário, republicano e laico, teve sempre Salazar, tal como ele beirão e ex-seminarista, um opositor aberto e declarado: “a política que nos rege tem vinte anos e está atacada deste caruncho: a usura. Sucede-lhe como aos fatos. Virá-los do avesso é remédio de pouca dura” – diria numa entrevista ao Diário Popular. Apesar da perseguição política e inimizade, Salazar reconheceria no entanto, em entrevista a Frederic Lefèvre, os méritos da obra aquiliniana “comece o seu inquérito por Aquilino Ribeiro. É um inimigo do regime. Dir-lhe-á mal de mim, mas não importa: é um grande escritor”. Palavras que certamente poderiam servir de emulação e seriam apropriadas a muitos “democratas” dos nossos dias, a propósito do nosso Nobel José Saramago (1998) … O escritor também não esqueceu as crianças. Títulos como o “Romance da Raposa”, o primeiro dedicado a seus filhos (existe um versão em desenhos animados datada de 1988) e o último “O Livro de Marianinha”, destinado a sua neta, são as principais referências de seu encontro afetivo com as gerações mais novas, em que a tradição e a sonoridade das palavras se conjugam, num jogo de prazer no uso de uma linguagem comunicativa, pejada de riqueza vocabular. Aliás o próprio Aquilino o demonstraria na dedicatória e início do seu “Romance da Raposa” que conta “as aventuras maravilhosas de Salta-Pocinhas – raposeta pintalegreta, senhora de muita treta” e que assim começa: “Havia três dias e três noites que a Salta-Pocinhas raposeta matreira, fagueira e lambisqueira corria bosques, farejando, batendo mato, sem conseguir deitar a unha a outra caça além duns míseros gafanhotos, sem atinar com abrigo onde pudesse dormir um soninho descansado” . .. Matreirice e astúcia dos animais, que nas seis histórias de “Arca de Noé-III classe” se retomam e alternam com a argúcia humana, como na “História do burro com rabo de légua e meia” que à laia da velha tradição dos contos populares, conta que “Era uma vez um burro, verdadeiramente cor de burro a fugir, rijo de casco, com uma malha arruçada na testa que lembrava o malmequer e a estrela-do-mar” ... Por seu turno, no seu último livro infanto-juvenil, mestre Aquilino, como avô assumido, evoca a tradição da infância distante e fala-nos, por exemplo do cavalo gris que seu tio trouxe de Paris, mundo fora, à aventura: “O meu cavalo de rodas/não era só para rodar/mal a casa adormecia/partíamos a galopar/Pra sossego da mãezinha/abalava sem dar sinal/eu saía como Quixote/pela porta do quintal/Mundo fora, à aventura/Fizesse escuro ou luar/uma vez estive em Elvas/outra além de Gibraltar”. Obras escritas com emotividade, que pretendem provocar sorrisos e alegrias e que de certa forma percorrem a mesma rota dos livros de adultos. Com efeito, a raposa Salta-Pocinhas é como um Malhadinhas de quatro patas. O nosso agrupamento não esqueceu este mestre das letras portuguesas e dedicou-lhe uma Escapadela Literária. Com efeito, em 2008 visitamos a Biblioteca Aquilino Ribeiro, em Moimenta da Beira, vivenciamos a Fundação Aquilino Ribeiro, em Soutosa, na casa onde residiu com os pais, rumamos ao santuário da Nª. Sª. da Lapa, em cujo colégio iniciou os seus estudos e sentimos o telurismo e a beleza agreste e rude dessas Terras do Demo (título de seu romance de 1919), que na barragem do Vilar, no leito do rio Távora, se amenizou e mitigou, quer na vista da paisagem quer no sabor e deleite do repasto javalino. Neste ano de centenário da publicação da primeira obra de mestre Aquilino (1913) e cinquentenário do seu falecimento (1963), é portanto tempo de (re)ler algumas das suas obras (a adquirir para a Biblioteca Escolar) e trazê-las para as aulas. Professor Álvaro Nunes | ||||||
Mais Imagens: | ||||||
Comentários | ||||||