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MANUEL ALEGRE: PRÉMIO CAMÕES 2017
Por António Loureiro (Professor), em 2017/06/161293 leram | 0 comentários | 187 gostam
Manuel Alegre é o merecido vencedor da 29ª. edição do Prémio Camões.
MANUEL ALEGRE: PRÉMIO CAMÕES 2017
Manuel Alegre é o merecido vencedor da 29ª. edição do Prémio Camões, atribuído anualmente aos autores lusófonos que tenham contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da Língua Portuguesa, galardão considerado o mais importante da literatura de expressão portuguesa.
Com efeito, aos 81 anos, Manuel Alegre (MA) é o 12º. português a receber esta consagração literária, no ano em que perpassam 50 anos da publicação de “O Canto e as Armas”, uma das suas mais emblemáticas obras. Escolhido por unanimidade como vencedor deste importante prémio literário, instituído pelos governos de Portugal e Brasil, desde 1988 e que alternadamente premeia autores de língua portuguesa, MA emparceira com Miguel Torga (1989), Vergílio Ferreira (1992), José Saramago (1995), Eduardo Lourenço (1996) e Sophia de Mello Breyner Andresen (1999) este preito literário, atribuído ainda a Eugénio de Andrade (2001), Maria Velho da Costa (2002), Agustina Bessa Luís (2004), António Lobo Antunes (2007), Manuel António Pina (2010) e Hélia Correia (2015), entre muitos outros autores de nacionalidade brasileira, angolana, moçambicana e um cabo-verdiano.
Ora, curiosamente, Camões é por certo uma das mais fortes referências poéticas da obra de MA. De facto, a produção poética de Alegre evidencia, numa atualização do canto no presente e no futuro, a recuperação de valores literários do passado, cujos (inter)textos palimpsésticos da lírica e épica se foram diacronicamente diluindo no tempo. Efetivamente, o eco camoniano é uma marca indelével que vamos encontrar na poesia de MA, numa reescrita evocativa claramente motivada pela homenagem e pela admiração para com Camões, seu poeta-modelo. Essa constatação é por exemplo evidente nos poemas “Luís de Camões” e “Sobre um Mote de Camões”, ambos inseridos na obra “Praça da Canção”:
“Tinha uma flauta.
Não tinha mais nada mas tinha uma flauta
Tinha um órgão no sangue uma fonte de música
Tinha uma flauta (…)

E quando tudo se perdeu
Ficou a arma do que não tinha armas;
Tinha uma flauta.

Ficou uma flauta que cantava
E era uma Pátria.”

“Se me desta terra for
eu vos levarei amor.
Nem amor deixo na terra
quando deixando levarei.

Deixo a dor que te deixar
na terra onde o amor não vive
na que levar levarei
amor onde só dor tive.”
(…)
Há com efeito uma identificação profunda de MA com Camões, pois ambos foram poetas exilados; e Alegre, tal como ele, “traz numa mão a espada e noutra a pena”, ou seja, um similar empenhamento na ação e na escrita.
A obra “O Canto e as Armas” é sem dúvida um exemplo intertextual concreto, quer pela intencionalidade do seu título e a sua estrutura dividida em cantos, quer na busca da identidade lusíada e defesa da língua mãe.
Aliás, logo no poema inicial da obra citada sente-se explicitamente essa ressonância camoniana com a estrofe de abertura de “Os Lusíadas”, ambos confluindo na exaltação do Homem:

“Canto as armas e os homens
as pedras os metais
e as mãos que transformando
se transformam. Eu canto
o remo e a foice. Os símbolos.
Meu sangue é uma guitarra
Tangida pelo Tempo.”
(…)

Efetivamente para Alegre, parafraseando João de Melo “o génio de Camões é o símbolo da virtude universal e verdadeiro alter-ego do ideal patriótico, tangido pela sua flauta”. Mas também, sem dúvida, o “poeta de partida, espírito de errância e de um infinito peregrinar interior e sem volta”, pelo que a sua obra “traduz-se em viagem, roteiro, visitação, memória, espanto e retorno aos mitos patrióticos”(…), numa poesia que faz ressurgir a voz de Camões, numa espécie de canto geral da condição lusíada. Poesia “épica naquilo que tem de exaltar, lírica na voz sofrida daquele que busca e não encontra o sentido dessa condição” …

Poder-se-iam multiplicar os exemplos desse intercâmbio discursivo entre ambos os poetas, bastante evidente, por exemplo, entre o soneto camoniano “Aquela triste e leda madrugada” e um outro de Alegre intitulado “E alegre se fez triste”; ou na recuperação de “Sete Anos de Pastor”, outro tema camoniano, bem como no glosar de canções camonianas, bem evidente no poema “Super Flumia”. Ou ainda, em algumas quadras do poema “Lusíada Exilado”, entre outros inúmeros exemplos:

(…)
“Trago no rosto a marca do chicote
Cicatrizes as minhas condecorações
Nas minhas mãos é que é verdade D. Quixote
trago na boca um verso de Camões. (…)

Porém, mais marcante e ilustrativo desta comunhão e inspiração literária, é porventura a publicação da obra “Vinte poemas para Camões” (1992), na qual Alegre o invoca:







(…)
“Há uma ilha a florir em cada letra
teu canto e tu são nossa rima e nosso ritmo
decassílabos à volta do planeta
homofonia dissonância aliteração
tetrâmetro teorema logaritmo
conjugação de sílaba e fonema
Lusíadas – diziam. E era a nação.

Esta nação nasceu como poema.

Teu canto e tu nossa tromba de água
sílaba longa sílaba breve
são o nosso fogo-de-santelmo e consoantes
nosso mapa tecido a azul e mágoa
salso argento lenho leve
haverá sempre em nós um nunca dantes
amar e o mar e nunca ter senão
Babilónia Sião rios que vão.”

Fica contudo a língua portuguesa. Por isso Alegre, o Ulisses português, já não embarca na nau, mas no poema:

“Agora sabe-se que para chegar à Índia
era preciso inventar
a língua”.

“Embarcar no poema e navegar
Sobe-se a um verso teu e vê-se o mar”.

Assim, para além do Prémio Pessoa, MA recebe merecidamente mais um prémio de grande significado, em reconhecimento pela sua obra poética e ficcional. Obra que o atual ministro da Cultura considera “marcada por um forte sentido de ritmo, da rima e da musicalidade” e que destaca “pelo seu papel de intervenção política (…) numa mistura de dramas humanos, expectativas adiadas, frustrações coletivas, sentimentos de revolta e de alguma esperança nunca abandonada”.
De facto, um autor que, como expressa Paulo Sucena, “se assume como eco da voz do povo português na gesta histórica de resistência à opressão e à exploração e do combate pela conquista das liberdades, da justiça social e dos valores democráticos”.

Parabéns Manuel Alegre, poeta da liberdade!

Escrito por,
Álvaro Nunes


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