FIGURAS NICOLINAS (II) | |
Por António Loureiro (Professor), em 2016/10/19 | 742 leram | 0 comentários | 146 gostam |
S. Nicolau, patrono das festas nicolinas, a senhora Aninhas, madrinha dos estudantes. | |
FIGURAS NICOLINAS (II) S. Nicolau, patrono das festas nicolinas, a senhora Aninhas, madrinha dos estudantes e o Engenheiro Helder Rocha, Nicolino-Mor, no centenário do seu nascimento e que este ano será o tema do carro alegórico das Maçãzinhas do nosso agrupamento, serão as figuras nicolinas de referência a abordar nestas páginas. A SENHORA ANINHAS A senhora Aninhas, de nome completo Ana Joaquina de Magalhães Aguiar, nasceu no lugar de Pica, freguesia de Quinchães, em Fafe, em 14 de outubro de 1860 e faleceu a 2 de Agosto de 1948. Ainda nova, rumou a Guimarães para servir como criada no solar dos Condes de Margaride. Aí terá tido os primeiros contatos com os estudantes e as festas nicolinas, pois por esses tempos ocorria nesse solar uma posse nicolina de boa e farta mesa. Esta empatia pelas nicolinas teria ainda crescido após seu casamento com António André, contínuo do Internato Municipal , depois Liceu de Guimarães, através do qual meteria algumas “cunhas” pelos estudantes mais expostos à reprovação. E acima de tudo, quando abriu uma loja no nº. 57, rés-do-chão, da atual Rua de Santa Maria, que na altura se localizava junto ao Liceu de Guimarães (o atual edifício da Câmara Municipal). É nesta casa que em 1971 a boa senhora ficaria recordada, numa lápide colocada pelos estudantes, com a seguinte inscrição: “Aqui nos abriste o peito Aqui te quisemos bem Aqui foste, de estudantes Conselheira e santa mãe.” De facto, a senhora Aninhas, também conhecida por Aninhas Farinheira, por comercializar farinha, conquistou o coração dos estudantes, que frequentemente marcavam encontro na sua lojinha para a cavaqueira, comprar tabaco, ou para petiscar as suas rabanadas e moletes, uns modestos bolinhos de bacalhau mal amanhados, ou ainda os bolos caseiros com sardinhas ou carne de porco. E às vezes um franguinho “abafado”, como se depreende desta passagem do Pregão de 1942: “Guardava e cozinhava um furto de galinhas, Com infinita paciência, a boa ser’Aninhas E às noites – quanta vez – se o bando reunia À volta da lareira – ó ceia consolada!- Espírito e chalaça – a guitarra gemia Nas mãos do Zé Roriz, até de madrugada … Era assim, era assim … E como tudo passa! Sabia-se viver com arte e graça!” Recorde-se que nesses tempos o Liceu de Guimarães funcionava geralmente em regime de internato, pois só existiam escolas secundárias nas principais cidades e os transportes eram demorados ou quase inexistentes, pelo que muitos estudantes estavam longe ou afastados da família. Deste modo, a senhora Aninhas era um refúgio e quase uma mãe para muitos deles a quem fiava amiudadamente, “calos” ou calotes, que tinham “barbas” e nem sempre eram pagos em dinheiro, como se constata pelo Pregão de 1944, do qual transcrevemos este excerto: “Este Pregão dedico à nossa Senhora Aninhas Aquela que aturou as estroinices minhas E a quem pagarei “um calo” de almirantes - Mania assaz revelha em bolsa de estudantes. Meu calote atingiu o cume de um tostão Com juros, hoje, pois liquido-o no Pregão, Pedindo-lhe clemência, aqui, de mãos erguidas, Pr’a meus distúrbios maus e minhas ruins partidas. Que a santa me perdoe a dívida barbada De há quase meio século e hoje “alfim” saldada.” De facto, presos pela treta, apanhados pelo estâmago ou aliciados pelos fiados, os estudantes encontravam na loja da senhora Aninhas algum conforto, como o documentam estas transcrições dos pregões de 1931 e 1946, respetivamente: “Eu nunca gostei de dar nas vistas De quem vai ao Café Oriental! Antes quero comer duas sardinhas Dentro da loja da Senhora Aninhas” “Não podemos comer, como dantes, sardinhas Assadas a granel na boa Sôr’Aninhas Convençamo-nos, sim. Tenhamos paciência Pois sempre nos faz bem fazer abstinência.” Este amor dos estudantes e da cidade seria reconhecido pela estudantada. Prova-o a homenagem de que foi alvo no Teatro Jordão, em 1945, cerca de três anos antes do seu falecimento, ou ainda a atribuição do seu nome na toponímia vimaranense: a Travessa Senhora Aninhas, antiga viela dos Laranjais, ali bem junto da sua antiga lojinha. Homenagem a que os jornais da época se associariam, como o corrobora este soneto de Delfim de Guimarães, publicado no Notícias de Guimarães de 1948: O que ela nos sofreu! As nossas travessuras! As dívidas que a malta nunca liquidou! Os desgostos por nós, por nós as amarguras As noites que essa santa, e dias que passou! Para a malta fumar faziam-se mil juras Sem as acreditar o que ela nos fiou! Seus ralhos eram sempre um favo de ternuras E nunca um estudante a santa maltratou! Quando nos via ao lombo a pérfida raposa, Ficava muito triste e, sempre carinhosa, Ralhava-nos com mel, que nos fazia bem … De rapaz, muito novo (os anos que lá vão) Eu trago o seu retrato, aqui, no coração. Estudantes, chorai! Morreu a nossa Mãe!” Uma mulher boa e doce, que até a ralhar era melíflua, mesmo quando a “raposa” (atual chumbo ou reprovação) batia à porta dos estudantes. Uma mulher que à hora da morte, como o soneto de Delfim Guimarães pressentiu (publicado no jornal Notícias de Guimarães de 1951), com reminiscências camonianas, foi solenemente recebida por Minerva, deusa da sabedoria como mãe e abraçada pelo seu e nosso conterrâneo, mestre Gil Vicente. Voou a Alma Gentil desta velhada Ao reino da verdade omnipotente, E lá, no Assento Etéreo, aconchegada, A todos nos espera sorridente … Minerva, a nossa deusa tão amada, Deu-lhe um beijo na fronte docemente … Chamou-lhe Mãe Aninhas enlevada E levou-a a abraçar Gil Vicente. O Poeta dos Autos, indeciso Perguntou a Minerva num sorriso: Donde são estes olhos tão brilhantes? - Da tua terra foram … Lá choraram Os seus olhos de Amor iluminaram Os velhos e os novos estudantes.” Recorde-se que em 2010, aquando dos 150 anos do seu nascimento, a Senhora Aninhas foi homenageada no nosso agrupamento com a execução de um carro alegórico para o cortejo das Maçãzinhas e com a representação de uma pequena peça teatral original sobre a sua vida, a cargo do Clube de Teatro. Autor do texto, Álvaro Nunes | |
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