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ESCRITORES VIMARANENSES
Por António Lourenço (Professor), em 2018/05/28686 leram | 0 comentários | 142 gostam
Iniciamos nesta rubrica uma abordagem sobre alguns dos ilustres escritores vimaranenses, desta feita tendo como protagonista o Padre Torcato Peixoto de Azevedo (TPA), que terá sido o primeiro ou um dos primeiros monógrafos vimaranenses.
Nascido a 2 de maio, Torcato Peixoto de Azevedo (1622-1705), autor das “Memórias Ressuscitadas da Antiga Guimarães”, obra que curiosamente apenas seria publicada cerca de 140 anos após a sua morte, é com efeito considerado um dos primeiros monógrafos da cidade, ainda que antes dele se creia que os seus conterrâneos André Afonso Peixoto e Luís da Gama, se hajam também dedicado a escrever sobre a história citadina. No entanto, estas obras ter-se-ão perdido na poeira dos tempos, ou, como diz o Abade de Tagilde, “ foram parar à loja dalgum negociante que neles empacotassem açúcar ou arroz”.
Inequívoca e palpável é porém a obra do Padre Torcato, cujo original se encontra em bom estado de conservação na Sociedade Martins Sarmento e que foi recentemente reeditado.

Ora, TPA é membro de uma família numerosa de 9 filhos e quarto da prole do sargento-mor João Rebelo Leite e de Isabel Peixoto de Azevedo, presbítero do hábito de S. Pedro, ao que consta familiar do conhecido Lidador Vimaranense. Consta que desde cedo se dedicou às letras e ao estudo da História Sagrada e profana, legando-nos numerosos volumes manuscritos no âmbito da genealogia e biografismo, designadamente acerca dos reis de Portugal e Castela, os duques de Lorena e de Bragança e sobre várias famílias portuguesas deste reino.
Todavia, são as “Memórias Ressuscitadas … ” a sua obra fundamental sobre Guimarães. Com efeito, ao longo dos seus cerca de 142 capítulos, dos quais os 44 iniciais abordam sinteticamente a divisão da terra pelos filhos de Noé, descrição da Europa e formação de Portugal, sua povoação e sucessos na região de Entre-o-Douro e Minho, desde os tempos dos gregos, celtas e romanos, até aos godos e árabes, o Padre Torcato alude nos restantes 98 capítulos “notícias da nossa antiga Araduca, a fundação da nova Guimarães e da sua igreja real”, bem como acerca da “sua grandeza, moradores, freguesia, concelhos, coutos e honras de seu termo”. Mas, também, “edifícios, mosteiros, capelas, rios, pontes e fontes vizinhas; morgados e privilégios, isenções e liberdades com que foram honrados de seus reis” e ainda, como o promete o autor na prefação “casos de sucessos que na sua defesa e do reino lhe sucederam”.
 Efetivamente, mesclando factos históricos diversos com episódios fabulosos, míticos e lendários, TPA “ressuscita” uma grande variedade de factos, ainda que por vezes eivados de algumas inexatidões e contradições. A história do nascimento d’el-rei D. Afonso Henriques, assim se intitula o capítulo 57, é um exemplo claro dessa simbiose:

“ Nasceu el-rei D. Afonso Henriques na vila velha de Araduca em 1094, e na paróquia de S. Miguel foi batizado pelo arcebispo de Braga D. Giraldo, na pia que depois se transladou para a real colegiada, aonde se venera. Trouxe este príncipe em seu nascimento as pernas pegadas por detrás uma na outra, aleijão que deu tanto sentimento a seus pais, que não o queriam dar a criar a D. Egas Moniz, a quem o tinham prometido antes do parto, pela deformidade com que Deus lho quis mostrar, mas movidos de seus rogos e instâncias lho entregaram, a quem o bom vassalo criou com tanto resguardo, como se fora em saúde perfeita. Mas a Virgem Nossa Senhora apiedando-se de quem sabia que na vida lhe havia fazer grandes serviços e depois da sua morte lhos haviam continuar seus sucessores (…). Ouvindo as orações dos lastimosos pais do menino, apareceu a D. Egas Moniz em sonhos, e lhe disse, fosse a um lugar junto da cidade de Lamego chamado Cárqueres, e que mandando cavar achariam ali uma igreja, que se havia em outro tempo começado em seu nome, e a sua imagem, que concertando tudo, e fazendo aí vigília, pusesse o menino sobre o altar, e que logo sararia. (…)
Por este milagre, e pela grande devoção que o conde D-Henrique teve sempre à Virgem Senhora Nossa, mandou no lugar de Cárqueres edificar um mosteiro dedicado a seu santo nome. (,,.)

Neste país, desde o seu início nascido sob a aura milagreira, curiosa é também a sua interpretação sobre a Citânia de Briteiros, nos capítulos 43 e 44 e a sua destruição pelos mouros, que as investigações de Martins Sarmento, no século XIX, vêm a infirmar, desmontando a lenda urdida à sua volta, embora Almançor, governador de al-Andalus (938-1002),no auge do império omíada, tenha de facto travado combates importantes contra os reinos cristãos ibéricos e levado a cabo várias razias destruidoras, incluindo Braga (985) e Coimbra (987).
De facto e embora nem sempre uma rigorosa crítica lhes tenha servido de norte, como afirma o Abade de Tagilde, é notório que as “Memórias Ressuscitadas da Antiga Guimarães hão de ser sempre consultadas por quem deseje conhecer as transformações por que a velha pátria do rei conquistador há passado”, carecendo no entanto de uma leitura contextualizada, pois “a sua obra não podia deixar de ressentir-se da influência do seu tempo e neste quase todas as produções literárias, como diz o Dicionário Popular, são difusas, prolixas, obscuras”.
Deste modo, a par de boas informações que nos dá, como por exemplo a descrição da vila de Guimarães, no século XVII, outras há em que interpreta de um modo bastante curioso e mesmo lendário a realidade factual. Por isso, vários outros milagres são também aludidos na obra, designadamente de Santa Maria da Oliveira e de S. Torcato. E a ele se deve também a alusão ao costume dos morgados.


 Consta ainda que terá pertencido ao Padre Torcato a primeira edição de “Os Lusíadas”, atualmente à guarda da Sociedade Martins Sarmento.
Igualmente, o Padre Torcato Peixoto de Azevedo encontra-se evocado na cidade vimaranense, pois o seu nome consta da toponímia local, numa rua sita nas imediações do Tribunal Judicial de Guimarães, que garante a ligação ao edifício da Escola Secundária Martins Sarmento.

Texto escrito por
Álvaro Nuno


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