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ESCAPADELA LITERÁRIA RELEMBRA JÚLIO DINIS
Por António Loureiro (Professor), em 2015/05/18465 leram | 0 comentários | 169 gostam
Júlio Dinis e Ovar, bem como a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, são as referências essenciais de mais uma Escapadela Literária
Júlio Dinis e Ovar, bem como a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, são as referências essenciais de mais uma Escapadela Literária, que o corpo docente e para-docente do Agrupamento de Escolas Gil Vicente realiza anualmente, no sábado mais próximo de 22 de maio, Dia do Autor Português.
Com efeito, no seguimento de uma iniciativa que conta já com vários anos, preenchida com visitas a Camilo Castelo Branco em Seide e Ribeira da Pena, Miguel Torga em S. Martinho de Anta e Coimbra, Eça de Queirós e a Casa de Tormes, Aquilino Ribeiro em Soutosa e Paredes de Coura, Teixeira Pascoaes em Amarante, Ferreira de Castro em Ossela, Fernando Namora em Condeixa-a-Nova, José Régio em Vila do Conde, o Porto de Almeida Garrett, Pedro e Inês em Coimbra e Raul Brandão em Guimarães, entre outras evasões que a memória já não recorda, desta feita a dita cuja escapadela tem como pretexto a Casa-museu Júlio Dinis, antiga habitação dos seus avós paternos, onde o escritor portuense viveu, sensivelmente entre 1863 até à sua partida para a Madeira em 1867, para tratamento da tuberculose. As deslocações ao Centro Histórico de Ovar e à Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto complementam a jornada, esta última como digestivo pedestre, após repasto e em simultâneo como um salutar ensejo para se degustar esta importante formação dunar, quer paisagisticamente quer na sua fauna e flora.
Quanto ao escritor Júlio Dinis (1839-1871), pseudónimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, nascido no Porto, onde se licenciou em Medicina, seguindo as pisadas de seu pai, exerceu também, na sua cidade, uma brilhante e curta carreira de professor na Escola Médico-Cirúrgica, que infelizmente acabaria por interromper por motivo de doença. Autor dotado de um apurado poder de observação, tanto psicológica como social, legou-nos todavia, apesar da sua breve vida, uma vasta produção romanesca eivada de componentes realistas e românticas, marcadas por uma certa influência de matiz positivista na conceção do real (Taine, Claude Bernard) e pela cultura inglesa, em especial leituras de Charles Dickens (1812-1870), Jane Austen (1775-1817), William Thackeray (1811-1863) e Samuel Richardson (1689-1761), escritor que alia o realismo ao sentimentalismo moralizante. Influências a que certamente não será alheia a ascendência irlandesa de sua mãe, a despeito da sua morte quando o escritor tinha apenas 6 anos, por tuberculose pulmonar, doença que também o vitimaria com apenas 32 anos, assim como todos os seus irmãos.
 De facto, Júlio Dinis aliava à sua grande capacidade científica uma boa preparação humanística. Por isso, em sua obra reflete-se, a par de uma mentalidade burguesa com carácter pedagógico e social, uma orientação ideológica próxima das ideias e mito de Rosseau, assente na convicção de que o homem é naturalmente bom e de que a natureza é a mãe providencial que a todos acolhe. A sua obra literária reflete ainda os resultados das reformas económicas, como são o caso dos romances “Uma Família Inglesa” (1868) reflexo do trabalho produtivo dos comerciantes do Porto e/ou “Os Fidalgos da Casa Mourisca“ (1871), que regista o resultado da revolução agrícola, num período histórico após a Regeneração e o fontismo. Acima de tudo “ o autor pretende demonstrar a eficácia social e económica dos valores burgueses e da nova ordem jurídica ao mesmo tempo que dá uma visão idílica do mundo rural português, denunciando a frivolidade, o ócio e o ceticismo como os grandes males da cidade”. Crê-se aliás que a sua estada em Ovar o terá levado à descoberta dos encantos da vida rural, que marcará presença na maioria dos seus romances, como “As Pupilas do Senhor Reitor” (1867) e a “Morgadinha dos Canaviais” (1868), ambos escritos e/ou esboçados na casa ovarense e posteriormente adaptados e representados no Teatro Trindade; vida rural também bem presente nos “Serões da Província” (1870) conjunto de novelas publicadas em folhetim no Jornal do Porto. Contudo, ainda que de menor monta, a sua produção literária, apesar da sua curta vida, estende-se ainda à poesia e ao teatro, em especial à comédia.
Acrescente-se que alguns dos seus romances tiveram adaptações cinematográficas e televisivas, como são o caso das obra Os Fidalgos da Casa Mourisca, A Morgadinha dos Canaviais e As Pupilas do Senhor Reitor.

Avultam predominantemente na sua obra temas familiares e o do quotidiano, de cariz mais realista, bem como a idealização do campo e da mulher e a tendência para a solução harmoniosa dos conflitos e um pendor moralizador dos desfechos das intrigas, a que acrescenta o otimismo do seu ideal, no qual a felicidade amorosa e harmonização social são indissociáveis, aspetos de evidentes ressonâncias românticas. Assim, muitas vezes, suas obras são rematadas por casamentos felizes e desiguais, que exprimem uma vitória sobre os preconceitos de ordem social. Como nos diz Maria Lúcia Lepecki: “ a passagem da personagem de um para outro espaço social (Augusto e Berta, quando se casam, respetivamente, com a Morgadinha e com Jorge) justifica-se em função do carácter moralizante dos seus romances. Porque moraliza, apontando uma solução para os conflitos sociais que nunca chegam a eclodir violentamente na narrativa, a obra de Júlio Dinis resolve, em harmonia, as oposições de cuja existência se serve como pré-texto para criar história, drama, enredo e intriga (…)
De uma maneira ou de outra as personagens de Júlio Dinis estão sempre abertas ao bem (…) em toda a ficção dinisiana. Ela escreve, substancialmente, uma funda confiança na capacidade de auto-regulação do homem”.

Eça de Queirós, por seu turno, reconhece que “Júlio Dinis assume na sua época o seu gosto pelo realismo, embora velado pela névoa poética, através da qual é visto o espaço”. Afirma inclusive que Júlio Dinis amava a realidade, embora “nunca, porém , se desprendeu do seu idealismo e sentimentalismo nativo”. Acrescenta que as suas aldeias são verdadeiras, mas são poetizadas, pois “nunca um sol sincero e largo bate na sua obra”. Por isso, conclui: “Júlio Dinis, viveu de leve, escreveu de leve, morreu de leve”.

Ao de leve, aqui ficam também estas linhas para nos acompanhar na escapadela
  
Álvaro Nunes


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