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ESCAPADELA LITERÁRIA 2019
Por Carla Manuela Mendes (Professora), em 2019/06/10657 leram | 0 comentários | 235 gostam
No passado dia 25 de maio, o Agrupamento de Escolas Gil Vicente meteu pés a caminho, pelos caminhos de Sophia de Mello Breyner Andresen. Visitou a Casa Andresen, a antiga casa dos seus avôs e espaço sagrado da sua infância e adolescência.
O pretexto seria os 100 anos de nascimento da escritora, no próximo dia 6 de novembro e a continuação da tradição vicentina das Escapadelas Literárias, a propósito do Dia do Autor Português (22 de maio).
 Porém, pelo caminho, os ares de Serralves seriam o primeiro apeadeiro e salutar abre-latas para o apetite antes do almoço, na bela Gaia, de olhos virados e apaixonados para o Porto.
Deste modo, à Joana progenitora da família Andresen, uma outra Joana (de apelido Vasconcelos) incendiaria nossos olhos nesta (nova) cosmovisão artística de (re)conectar a arte com a vida real. Assim, com pés assentes na terra, que fundam seus caboucos no emprego de imagens, materiais e técnicas da identidade cultural portuguesa, como os azulejos, os bordados e a cerâmica, mas também o croché, que reveste com novas peles e roupagens vários animais de cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro, ou os enobrecidos urinóis picarescos, Joana Vasconcelos oferece-nos uma nova conceção estética da realidade. Mundovisão artística e técnicas que conciliam ainda uma vasta parafernália da iconografia popular e nacional como o coração de Viana, a filigrana e até o fado de Amália, como é evidente no “Coração Independente Vermelho”.
Cerca de 35 obras que espelham, como a sua máscara de espelhos, a complexidade do ser humano, questionam as tarefas de género através de ferros de engomar, e/ou interrogam ironicamente as formas artificializadas de vida distendidas na cama Valium e/ou no sofá Aspirina. De tal forma que alguns homens, em alucinações surreais, afirmam a pés juntos, terem visto Marylin Monroe desfilar em sapatos altos feitos de tachos e seus tampos (uau!) e várias senhoras afiançam terem saboreado. um chá de tília num Bule gigante, em companhia de Catarina de Bragança, ao som do álbum de Cat Stevens “Tea for the Tilerman”! …
Efetivamente, “I’m Your Mirror”, assim se intitula a exposição, reúne imagens icónicas, metafóricas e críticas, que nos catapulta para a ostentação, como nas peças “Lilicoptère” ou “Solitário”, remetem-nos para a viagem burlesca da compra e venda de Virgens de Fátima, patente em ”Fui às compras” (contato em fatima.shop.com), ou, com este calorzinho que finalmente chega, nos incentiva ao mergulho na banheira da rua de “Portugal a banhos”! Mas também para a audição ensurdecedora da incomunicabilidade das comunicações do “Call-center”, ou para o movimento do carrossel das cadeiras executivas, pois contrariamente à realidade, “esta corrida não acabou!”…

No entanto, era também suposto que o cerne da escapadela fosse Sophia. Por isso, o caminho terminaria na Casa Andresen, uma vez que fora neste espaço, que Sophia viveria parte da sua infância e adolescência, muitas vezes partilhada com o seu primo Ruben A. (1920-1975). Lugares que Sophia frequentemente recorda na sua ficção, como no conto “A Saga”, uma história que efabula a vida de seu bisavô dinamarquês Jann Andresen, que por cá ficaria como negociante de vinhos, (tal como Hans, o protagonista do conto).
Com efeito, seria nesta casa pintada “cor das borras do vinho tinto”, ainda que sem grandes aparatos decorativos, uma vez que fora adaptada a partir de um espaço amplo, anteriormente idealizado para albergar uma fábrica, que o desejo de Sophia seria concretizado naquele esqueleto de baleia, agora presentificado na Galeria da Biodiversidade e aludido no conto “A Saga”. Infelizmente, algo que apenas vimos apenas de fora, porquanto a visita à Galeria da Biodiversidade, agora ali instalada, não estava contemplada no programa da visita.

Já nos espaços ajardinados exteriores, que agora são ocupados pelo Jardim Botânico do Porto, de novo as reminiscências das suas fragâncias na obra de Sophia. Desde logo, na reentrância fronteira ao Jardim dos Jotas (de João e Joana), isolado por sebes de camélias japoneiras (flor omnipresente no conto “A Saga”) e nos espaços desenhados por buxos (arbusto frequente na “História da Gata Borralheira”). Mas acima de tudo, naquele recanto de repouso que conserva os belos e antigos azulejos daqueles tempos, no qual perpassa a sensação da presença de Sophia, tão bem expressa no poema “Naquele Tempo”:

“Sob o caramanchão de glicínia lilás
As abelhas e eu
Tontas de perfume
(…)
E cá em baixo eu
Sentada no banco de azulejos
Entre penumbra e luz
Flor e perfume
Tão ávida como as abelhas”.

Passaríamos ainda pelo Jardim do Roseiral e pelo Jardim dos Anões aludido na obra “A Floresta”, no qual lá estavam as ”tílias, bétulas, um cedro muito antigo, uma cerejeira e dois plátanos. Era debaixo do cedro que Joana brincava. (…) Depois imaginava anõezinhos que, se existissem, poderiam morar naquelas casas”.
De novo Joana, sempre omnipresente na vida e na ficção …
E seriam anões invisíveis, Florinda e o gladíolo, que nos conduziriam, mais adiante, à estátua do presumível “Rapaz de Bronze” (que afinal era uma rapariga), escultura que teria inspirado o conto homónimo de Sophia (cuja festa será dramatizada no sarau cultural do agrupamento). De facto, ele que “era o rei do jardim”, e que” autorizou que as flores fizessem um baile”, ali permanecia …
Efetivamente, na obra de Sophia, (quase) todo o seu imaginário literário se projeta a partir das memórias familiares e da sua adolescência e infância, cujo leitmotiv teve como pedra de toque os seus cinco filhos.

Está tudo dito para justificar esta deslocação à Casa Andresen e Jardim Botânico do Porto, ainda que Sophia pudesse e devesse estar mais presente. Valeu contudo, em alternativa, a sapiente lição sobre a diversidade vegetal, seus biótopos e adaptações bióticas, nomeadamente no que concerne às araucárias, ao liquidâmbar, ao “curioso” carvalho-alvarinho, à variedade de catos e plantas suculentas, ou ao acanto, cuja beleza está imortalizada como ornato nos capitéis coríntios e renascentistas.
Visita que, contudo, mais que literatura, ciência e arte, foi um bom momento de aprendizagem comum de partilha e convívio, porque, afinal, isto está tudo ligado …


Texto
de
Álvaro Nunes

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