Escapadela Literária | |||||||||||||
Por António Loureiro (Professor), em 2015/10/05 | 761 leram | 0 comentários | 167 gostam | ||||||||||||
ROTA DO VERDE E DO ROMÂNICO | |||||||||||||
Fechar o Verão, regado a verde alvarinho-loureiro na degustação de queijos, numa sinestesia perfeita com o verde dos vinhedos e o românico dos primórdios da nossa história, foi a prova escolhida para retemperar o corpo e o espírito, neste regresso ao trabalho. De facto, revigorante e revitalizante, mesmo para aqueles a quem a aposentação já sorriu, a escapadela à Quinta da Aveleda, em Penafiel, complementada com as visitas ao Mosteiro beneditino de Pombeiro e Igreja de S. Vicente de Sousa, em Felgueiras, constituiu um revivescente elixir e panaceia para os tempos que se avizinham, geralmente de muita parra e pouca uva. Por outro lado, a deslocação permitiu a constatação comezinha de que a beleza mais simples pode estar aqui ao pé da porta, como foi possível verificar e sentir na luxúria multicolorida dos jardins da quinta, nos seus cheiros condimentados com os odores da terra húmida e/ou nas provas de queijos e de vinhos, especialmente o alvarinho-loureiro, uma dupla de castas imbatível em qualquer terreno. Com efeito, a Quinta da Aveleda não é só um espaço com 205 hectares de vinha, das quais 184 se encontram no epicentro da região demarcada dos vinhos verdes e as restantes na Quinta da Aguieira, na Bairrada, de onde são provenientes as castas loureiro, alvarinho, Fernão Pires, arinto e trajadura. Efetivamente, para além do complexo de engarrafamento que produz anualmente 15 a 20 milhões de garrafas e cerca de 70 mil garrafas/dia, a maioria para exportação, a Quinta da Aveleda, que desde 1870 produz vinho de qualidade ao longo de várias gerações da família Guedes da Fonseca, é acima de tudo um parque e um jardim, à entrada da cidade, galardoada internacionalmente com vários prémios, entre os quais se destacam o Best of Wine Tourism na categoria de Arquitetura, Parques e Jardins, em 2011 e o Certificado de Excelência do Tripadvisor 2015. A nível dos vinhos muitos são também os galardões conquistados, sendo de salientar o 1º. lugar no Top 100 do Best Buys Wine Enthusiast 2014 e a medalha de ouro do New York International Wine Competition de 2015. Realmente, no seu vasto parque e jardim encontra-se uma flora rara e centenária e toda uma panóplia de espécies vegetais que inclui cedros japoneses, ciprestes dos pântanos e sequóias americana. Em plena sintonia, várias follies (estruturas decorativas não funcionais, excêntricas e simbólicas) ornamentam também os jardins, entre as quais se destacam: a janela manuelina do século XVI, ofertada aos proprietários, na qual segundo a tradição D. João IV terá sido aclamado rei; a Fonte das Quatro Irmãs (4 filhas do proprietário), simbolizando as 4 estações do ano; a Torre das Cabras, símbolo da fertilidade e abundância e a Fonte de Nossa Senhora de Vandoma, padroeira da cidade do Porto, local habitual dos casamentos da família. Entretanto ao longo do percurso, surgem ainda os pequenos lagos e ilhotas, aqui e além povoados por cisnes e pavões, bem como encantadoras construções artesanais similares às cabanas dos velhos contos de fadas. De destacar ainda a beleza da moradia principal, pejada de plantas trepadeiras e a capela anexa de 1661, ambos os edifícios reservadas aos proprietários. Ainda, na Adega Velha, a penumbra inebriante das velhas aguardentes cor de âmbar, envelhecidas entre teias de aranha em vetustos pipos de carvalho. Após o aludido o aperitivo ou mata-abicho de vinho Aveleda e rosé Casal Garcia, acompanhado da prova de queijos produzidos na quinta e do repasto em restaurante penafidelense, o românico foi a cardápio da tarde, tendo o mosteiro beneditino de Pombeiro como destino. Assim, nesse mosteiro, classificado como monumento nacional desde 1910, cuja construção primitiva remonta a 1059-1102 e no qual sobrevivem apenas dois absidíolos e o portal principal de 4 arquivoltas dos tempos românicos, deu-se a primeira paragem vespertina. Na realidade, hoje, mercê de posteriores intervenções empreendidas, designadamente após o Concílio de Trento (1545-1553) e as novas perspetivas religiosas decorrentes dessa cosmovisão tridentina, a igreja afeta ao mosteiro abriu-se à luz exterior e interiormente à exuberância do barroco. Datam assim da dinastia filipina a construção das duas torres sineiras, que visariam reforçar os contrafortes da velha construção românica ampliada; e já na segunda metade do século XVII, com a chegada de Frei José Vilaça à ordem religiosa algumas renovações interiores, em especial no retábulo-mor, que ostenta a imagem da época gótica de Santa Maria de Pombeiro, ladeada por S. Bento e Santa Escolástica. Contudo, posteriormente, com a extinção das ordens religiosas, em 1834, foi permitida a pilhagem e alienação de parte do acervo do mosteiro, embora atualmente este se encontre em fase de recuperação e restauro, designadamente no seu coro alto e órgão de tubos. Efetivamente apenas a igreja composta por três naves coberta por arcos-diafragma e madeira está parcialmente recuperada. Destacam-se ainda nos absidíolos da igreja dois programas de pintura mural: um alusivo a São Brás e outro figurando São Mauro e São Plácido; e dois sarcófagos com estátuas jacentes dos finais do século XIII e/ou início do século XVI, que faziam parte do núcleo funerário abrigado na galilé, panteão da nobreza minhota e duriense. A Igreja de S. Vicente de Sousa datada de 1214, proporcionou a última visita. Nesta pequena igreja paroquial, cuja torre sineira anexa se encontra adossada à fachada lateral, classificada como monumento nacional desde 1977, de igual modo são visíveis as marcas da sua estrutura românica, “adulterada” pela evolução dos tempos. Deste modo, destaca-se na sua planta longitudinal, composta por nave única com dois retábulos laterais, a capela-mor retangular, cujo retábulo de talha dourada e tetos em caixotões policromados comprovam a influência do barroco. De salientar ainda a sua fachada principal sobressaída, convidando a entrar e vivenciar o seu âmago, com um belo pórtico de quatro arquivoltas em arco perfeito com bases bulbiformes, de plinto decorado e capitéis e impostas ornados de motivos fitomórficos e geométricos e tímpano vazado com a cruz de Malta, em que ressalta ainda uma rosácea vazada em círculos. Uma visita interessante e retemperadora para o corpo e espírito neste regresso ao trabalho. Escrito por Professor Aposentado Álvaro Nunes | |||||||||||||
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