Decadência das Festas Nicolinas | |
Por António Lourenço (Professor), em 2014/12/16 | 713 leram | 0 comentários | 155 gostam |
Desrespeito pelas normas e pela tradição, inépcia, imbecilidade ou manipulação? | |
«Quando qualquer monumento entra a precisar de obras todo o cidadão tem o direito de conhecer o projecto em pormenor e de exigir que seja fulcral a preservação do monumento… As Nicolinas são um monumento que vai mostrando desgaste e algumas fissuras que não se resolvem no betão ou na pedra; são a Tradição velhinha que tem de ser mais estudada para que possamos entregá-la confiadamente a essa juventude linda que a vem mantendo sem saber como, sem um manual detalhado... Uma espécie de religião sem Biblia mas de muitos pastores e prégadores, alguns só de passagem na Noite do Pinheiro, muitos a inventar passados que nunca foram e outros a antecipar futuros que não serão! Assim não pode ser, a vélhinha por aí entregue aos palpites do Manel das Vacas...» Alberto Meireles Graça, Velho Nicolino, autor de muitos pregões Reassumido a tradição secular nicolina, a AAELG (Associação dos Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães – Velhos Nicolinos), em 29 de Outubro 2002, propôs e assinou com as Escolas Secundárias de Guimarães, um protocolo que incluiu a Escola Gil Vicente de Urgeses, dada a ligação histórica da freguesia às Festas. Nesse documento estas entidades «Comprometem-se a promover iniciativas conjuntas ano a ano que dignifiquem as Festas Nicolinas, que serão acordadas conforme os projectos pedagógicos e programas de cada Estabelecimento de ensino.» Este protocolo, fruto de desenvolvimento de reflexão sobre ideias e sugestões que a Associação vinha a realizar, no sentindo de tornar as Nicolinas, teve importante reflexo nas actividades das Escolas que desenvolveram várias iniciativas relacionadas com estas Festas. Esta semente germinou e logo nesse ano a Escola Gil Vicente, desenvolveu um conjunto de actividades, entre as quais sessões de esclarecimento e motivação para a participação nas Nicolinas, que culminaram com a sua participação na Maçãzinhas. Desde então, durante os últimos treze anos, desenvolveu ininterruptamente inúmeras acções relacionadas com as Nicolinas, recolhendo e conservado vasta informação sobre este evento. A sua participação nas Maçãzinhas pautou-se sempre por um empenho rigoroso na preparação da sua presença, desde os colóquios nicolinos, em que era explicado desenvolvidamente o significado deste número, até à escolha do tema, projecto, concepção e montagem do carro alegórico. O seu trabalho foi reconhecido pelos vários primeiros prémios que o seu carro conquistou. Outras Escolas se foram associando e melhorando e engrandecendo o principal número das Festas Nicolinas. Todo este trabalhando está em risco de perder-se, com o consequente efeito na qualidade e quantidade da participação (como aconteceu com o paupérrimo cortejo deste ano) e o declínio das próprias Festas Nicolinos. O que espanta, entristece e indigna é a razão por que aconteceu tudo isto: A Comissão de Festas Nicolinas, por desrespeito pelas normas e pela tradição, inépcia, imbecilidade ou manipulação, decidiu que a participação nas Maçãzinhas estava reservada exclusivamente às Escolas Secundárias, argumentando que eram eles que mandavam (os velhos mandariam no Pinheiro e nas Danças). Além disso, nada tinham a ver com o protocolo, pois não o assinaram. Para começar este argumenta começa por ser uma aberração, fruto do desconhecimento da História e Tradição das Festas Nicolinas e das normas que actualmente as regem. Nem os velhos mandam no Pinheiro e nas Danças, nem a Comissão tem mandato para alterar um acto secular, enquadrado em normas que vêm desde 1873 e que definem a condição de estudante e seus direitos. Se é essa a intenção então há que fazer uma discussão profunda e tranquila sobre os direitos dos estudantes, tal como aconteceu como a forma como actualmente participam as Escolas participam nas Festas Nicolinas. Enquanto tal não acontecer, como estipulam estas normas, os alunos, a partir do “ciclo preparatório”, actual 6º ano, são estudantes com todos os direitos e deveres dessa condição que não lhes pode ser retirado, sem que aquelas regras sejam alteradas. Relativamente à posição tomada sobre o protocolo existente define a escassez de formação cívica dos membros da Comissão de Festas. A acrescentar as razões que justificam a nulidade desta incorrecta, grosseira e inqualificável atitude há as origens históricas das Nicolinas e Tradição que elas foram gerando. A primeira referência escrita (1190) aos festejos a S. Nicolau refere-se à renomeação de Paio Galvão como mestre da Escola da Colegiada. Os alunos, coreiros (que não tinham idade para andar nas Escolas secundárias) por devoção ao Santo eram soltos pelo solstício de Inverno em folguedos e corridas pelos campos, comemorando S. Nicolau. Albano Belino deixou, num manuscrito que pertence à Sociedade Martins Sarmento, refere: «Antigamente a renda não se partia em Urgezes sem que chegassem os três coreiros a cavalo, trajando o primeiro (o bispo) que era o mais velho, batina, murça e meia preta; e os dois restantes (os cardeais), batina, Murça e meia vermelha. Faziam a entrada na cidade e levavam as castanhas assadas aos cónegos e às pessoas mais gradas.» Em 1883, o jornal O Espectador, de Guimarães, tratava o tema das velhas festas dos estudantes a S. Nicolau e da renda de Urgezes No dia de S. Nicolau de 1883, o jornal O Espectador, de Guimarães, publicava uma descrição das velhas festas dos estudantes a S. Nicolau, em que se refere a renda de Urgezes e o destino que lhe era dado: Os coreiros, indo ali todos os anos, no dia de S. Nicolau, receber a renda, vinham depois a cavalo e em hábitos corais, oferecer da mesma às pessoas mais gradas da terra. Esta usança, depois de renhidos demandas e peripécias várias, passou para os estudantes de latim em Guimarães, que deram ao caso as aparências de uma grande festa. Recebida a renda, os estudantes seguiam em cortejo desde Urgezes, entravam na cidade, “apresentavam-se” ao pinheiro, erguido no Toural, desde o dia 29, e procediam à sua distribuição pela população, guardando as maçãs rubicundas para as donzelas da terra. A ligação de Urgeses às Festas Nicolinas vem de longe e é referida em documentos do século XVIII. Os Estatutos da Associação Escolástica Vimaranense de 1873 são esclarecedores: «Art. 2.° São estudantes: § 1.° Os que frequentam qualquer aula pública de latim, filosofia, retórica, ou qualquer ciência; § 2.° Os que frequentam as mesmas faculdades com mestres particulares, fazendo certa a sua frequência por atestado do mesmo mestre. Art. 5.° O fim desta Associação é promover a continuação e luzimento dos festejos do dia 6 de Dezembro, e pugnar por todos os foros e regalias que os estudantes desta vila desfrutam desde tempos imemoriais». De realçar que durante a sua História as Festas Nicolinas tiveram a participação e foram realizadas por outras escolas para além do Liceu ou seus antecessores Finalmente, entre 1928 e 1958, no liceu apenas era ministrado o curso geral, que terminava no 5.º ano, correspondente ao actual 9.º ano. Não havendo ensino secundário as Nicolinas não se teriam realizado nesse período. Tal não aconteceu e as Festas realizaram-se com o brilho do costume. Em termos históricos há razões que justificam a participação dos estudantes de Escolas, para além das Secundárias, muito especialmente de Urgeses, nas Festas Nicolinas. No que se refere à Tradição e referindo-me aos anos que decorrem após o ressurgimento das festas em 1895, que deu às Festas Nicolinas, praticamente, o formato que elas hoje têm, ela está bem conhecida em inúmeras fontes, desde objectos, artesanato, documentos e livros, para além dos testemunhos que passaram de geração para geração. Por esse meio, conheço-a através de familiares que integraram o grupo que promoveu o ressurgimento das festas, frequentaram o Liceu nas décadas de vinte e trinta do século passado e da minha própria experiência de participação, há mais de cinquenta anos. A participação nos números das Nicolinas podia começar logo no 1º ano (hoje 5º), como figurantes no Pinheiro, ou nas Maçãzinhas. Não havia praxes feitas pelos mais velhos aos mais novos, muito menos aos membros da Comissão de Festas e, quando entrei para o Liceu até para os caloiros tinham acabado. A plenitude do estatuto de estudante acontecia após três matrículas (não contando as dos anos em que havia reprovação), em que o estudante adquiria o direito de eleger e ser eleito para a Comissão de Festas. Por tudo isto é um absurdo e contrária à História, Tradição e Normas que regem as Festas Nicolinas, a atitude da Comissão de Festas de até pensar que tem o direito de decidir quem participa ou não nos seus números. O mandato dela respeita unicamente à realização das Festas de acordo com a sua História, Tradição e Normas que as regem e termina exactamente no dia em que elas acabam. Silvestre Barreira. | |
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