CULTURA E LÍNGUAS CLÁSSICAS RETORNAM ÀS ESCOLAS | |
Por António Loureiro (Professor), em 2015/06/12 | 881 leram | 0 comentários | 188 gostam |
A integração de uma componente de Cultura e Línguas Clássicas (latim e grego) no currículo do ensino básico, como “oferta de escola” e com carácter opcional, foi sugerido pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC) | |
Com efeito, a cultura e as línguas latina e grega vão regressar às escolas, após alguns anos de parcial ostracismo. Desta feita, porém, a Introdução à Cultura e Línguas Clássicas, assim se denomina esta componente curricular, anteriormente adstrita ao ensino secundário, pretende hic et nunca estender-se ao ensino básico, tendo em vista o desenvolvimento cultural e linguístico e o conhecimento mais profundo da língua materna e das suas raízes. Assim, para além do valor instrumental que se lhes reconhece na aprendizagem das línguas (materna e estrangeiras) e outros domínios do conhecimento, o MEC releva ainda o valor em si da herança civilizacional que as línguas e a cultura clássicas veiculam, em especial a nível nacional e europeu. Competirá no entanto a cada escola/agrupamento motu proprio integrar facultativamente esta componente no Projeto Educativo, como oferta da escola, cabendo-lhe(s) elaborar um programa próprio, cujas finalidades deverão convergir para a fruição e valorização dos conhecimentos da cultura greco-romana e das línguas clássicas. Ipso facto e ad effectum, preconiza-se a nível dos conteúdos a sua adequação a cada ciclo e o estabelecimento de ligações funcionais com as disciplinas curriculares como o Português, História, Geografia e Expressões, bem como a sua estruturação numa lógica de progressão na aprendizagem. Concretamente, entre outros conteúdos, sugere-se no âmbito da civilização e cultura, temáticas como a presença da cultura greco-latina no nosso quotidiano, a sua mitologia e os seus deuses e heróis mais marcantes. De igual modo e no contexto da herança das línguas clássicas, recomendam-se abordagens centradas nas expressões latinas de uso corrente, na etimologia e também na presença da língua grega nos nomes próprios, vocábulos do quotidiano e temos científicos. Propõe-se ainda que as línguas grega e latina devam ser também referenciadas no que concerne à sua estrutura sintática, à construção de pequenas frases e ao alfabeto grego. Contudo e para além do necessário trabalho de articulação curricular a desencadear em cada escola/agrupamento com vista à iniciação desta odisseia rumo a Ítaca, a tutela promete também aos argonautas desta jornada – provavelmente com proteção divina de Vénus- apoio formativo específico e disponibiliza informações variadas, materiais, endereços úteis, propostas de formação e mesmo projetos específicos organizados por ciclos de escolaridade: - no 1º. ciclo, o Projeto Pi, que incide na expressão teatral de uma tema clássico; - no 2º. e 3º. ciclos, Projeto Pari-passu (no mesmo passo) centrado sobre temáticas a explorar, textos de suporte ao ensino e trabalhos realizados pelos alunos e ainda o Projeto Officina Romanorum, a direcionar para o estudo do latim, grego e cultura clássica, bem como sobre a sua herança para as culturas portuguesas e europeias. Quanto às reações à iniciativa proposta, o gáudio veio essencialmente da Associação de Professores de Latim e Grego que saudou a medida com um expressivo “Gaudeamus!”, isto é, alegremo-nos! De facto esta associação reunira nessa mesma semana, em seminário, para discussão do Projeto de Introdução das Línguas e Culturas Clássicas no sistema educativo português. De igual modo, Margarida Miranda, do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra mostra-se “convencida de que este pode ser um passo modesto mas ainda assim determinante para o regresso das Línguas Clássicas ao plano curricular, superando uma lacuna que muito fragiliza o nosso ensino”, concluindo que “pelo contrário, a sua presença é condição essencial para elevarmos o nível do ensino em Portugal ao nível dos países de maior tradição humanística e científica”. E facto, recorda-se que em muitos países europeus as aulas de Latim estão entre as mais populares; e na Alemanha, ad exemplum, o latim é ensinado a partir do 5º. ano e é o terceiro idioma estrangeiro mais estudado nas escolas. Latu sensu, a iniciativa parece ser portanto uma medida em si mesmo positiva, temendo-se contudo que algumas dificuldades de implementação se coloquem, quer por falta de recursos humanos em muitas escolas/agrupamentos quer pela sua forma de introdução no currículo escolar, uma vez que a escola está cada vez mais assoberbada por solicitações díspares que vão desde a educação ambiental, à cidadania, até à educação para a saúde e sexualidade, entre muitas outras, não sendo fácil estabelecer prioridades e contemplar (quase) tudo. Realmente, como o reconhece António Sampaio da Nóvoa, assiste-se hoje ao denominado “transbordamento da escola”, que acarreta um excesso de missões e uma subsequente dispersão que geralmente não leva a bom porto. À parte estas reservas, estamos contudo convictos que a despeito de muitos calcanhares de Aquiles e muita gente a ver-se grego, bem como algumas vitórias de Pirro, presume-se a priori que esta maratona olímpica será certamente vencida e certamente se encontrarão os modus faciendi e os modus operandi adequados e os fios de Ariadne orientadores, entre as malhas do currículo, tendo em vista levar à ágora este desiderato. Depois, provavelmente Cronos fará o resto; e então, certamente, Clio tecerá um caminho ab initio, como o fez no despoletar do conto “ A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho” de Mário de Carvalho! Mas convém esclarecer que a cultura clássica nunca esteve (totalmente) ausente das aulas de Português, em particular na breve abordagem da História da Língua, na etimologia, no léxico e specialmente na literatura. Efetivamente, é condição sine qua non que obras como “Os Lusíadas” de Camões, “Ulisses” de Maria Alberta Menéres, a poesia de Sophia e Torga com o seu mito de Anteu (recorde-se os poemas Sisifo e Ariane), ou o conto “A Perfeição” de Eça de Queirós, entre muitos outros, não dispensem um devido enquadramento e contextualização na cultura clássica. Ad fortiori , quando a língua e a cultura clássicas são matrizes essenciais da nossa identidade, pelo que nihil obstat que se aprofunde sua abordagem, quer em termos linguísticos quer artísticos, científicos, et cetera. Allea jacta est … | |
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