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CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE VERGÍLIO FERREIRA
Por António Loureiro (Professor), em 2015/06/03550 leram | 0 comentários | 152 gostam
No próximo ano de 2016, celebra-se o centenário de nascimento do escritor Vergílio Ferreira (1916-1996), um dos grandes mestres da Língua Portuguesa.
“Chamo-me, de nome completo, Vergílio António Ferreira, que não utilizo por inteiro por horror à unicidade (…); não gosto de pseudónimos por desejar assumir a responsabilidade do que sou no mundo civil e no mundo das letras” – assim nos relata Vergílio Ferreira (VF) em “Um Escritor Apresenta-se” (1981). E prossegue:
Nasci a 28 de Janeiro de 1916 em Melo (Serra da Estrela) e aí aprendi a sensibilidade que tenho (…).
Pais emigrados aos 2/3 anos, criação com duas tias e avó maternas – e repercussão disso, também, ao que dizem, no que escrevo. (…); sim, tenho saudades da infância aí (em Melo) até aos 10 anos e reflexo disso em alguns livros. (…)
Depois, seminário (…); entrei num seminário aos dez anos, saindo dele aos dezasseis. Não foi bom este período de Seminário: solidão, desconforto, rigidez de internato … A saída do seminário correspondeu a um desejo de libertação em todos os aspectos. Antes de escrever Manhã Submersa (1954), sonhava muitas vezes que estava no Seminário e desejava sair sem conseguir. Depois, nunca mais sonhei com isso. Escrever é uma espécie de catarse aristotélica.
Entrei para o liceu da Guarda, no meu ambiente da Beira. Passei o liceu sem me darem um livro para ler. (…)Licenciei-me em Filologia Clássica pela Universidade de Coimbra. Mas, por motivos que nem sei bem explicar, afastei-me, ou melhor, isolei-me da juventude mais integrada no mundo das letras. Posso mesmo dizer que os caminhos que comecei por trilhar, dentro da literatura, foram um misto de inspiração pessoal e produto do acaso.
Na minha vida de professor (…) estive em Évora catorze anos (já tinha três anos de exercício – dois em Faro e um em Bragança)”.
De facto, Évora vai ter grande influência numa das principais obras do autor, o romance “Aparição” (1959), pela consonância deste ambiente alentejano e “aquilo que eu poderia chamar um estilo de ser, uma maneira de ser que é minha”.
Talvez por isso esse “espírito do lugar” nunca foi sentido em Lisboa, durante os anos que lá viveu e lecionou no Liceu Camões, até à aposentação (1981).
E termina, em tom confessional:
“Preferiria profissionalizar-me com escritor, se ser escritor o fosse apenas daquilo que me agrada. Mas é um pouco tarde para fantasiar.
O grande sonho de todo o escritor – se o tiver – será o de nunca encontrar o leitor “ideal”. Porque se o encontrasse a sua obra morreria aí. Cada leitor, com efeito, recria a obra que lê; e a perpetuidade de uma obra significará a sua recriação. Uma obra é o que é, mais o que dela foram fazendo os seus leitores”.
Cumpriu-se o sonho, Vergílio Ferreira!

Ora, em VF vida e obra são indissociáveis, como que duas linhas sempre paralelas, ou a mesma linha que se vai desenhando na riqueza da sua complexidade existencial e literária. Assim, nos seus romances-problema, como o próprio escritor gosta de os designar, perpassam os grandes problemas do mundo , do homem e de Deus, em especial a angustiada indagação existencialista sobre o absurdo da condição humana, na vida e na morte, que principalmente a partir da década 60 ganham uma dimensão mais forte, tendo como ponto de viragem “Aparição” (1959) e a plena maturidade com “Alegria Breve” (1965).
De facto, distanciando-se da estética neorrealista a que terá aderido na fase inicial da sua produção literária, como o são as obras “Onde tudo foi morrendo” (1944) e “Vagão J” (1946), rotura que a obra “Mudança” (1949) já evidencia e recusando qualquer filiação genética com o movimento Presença, que entende ser dominado globalmente por interesses estéticos e psicológicos, VF realiza uma obra original, rica do ponto de vista formal e temático, na qual ressalta um profundo humanismo e uma visão poética do mundo, que complementa como artista da palavra de grande mestria, influenciado por Eça de Queirós, que admira. Porém, suas obras, não ignoram nem esquecem os problemas económico e sociais, de cariz mais neorrealista, mas antes lhes acrescenta outros horizontes, em especial a dimensão metafísica, que a nível do pensamento tem como fontes o francês André Malraux, mestre reconhecido e declarado na arte de reflexão sobre o homem, a vida e a cultura e outros autores do existencialismo filosófico e da narrativa, na linha do romance metafísico de Dostoieveski.
Diz-nos VF em no seu diário “Conta-Corrente 2 (1981)”:
“Temos pois assim que sou discípulo de Sartre, Heidegger, Jaspers, Malraux, Camus, Raul Brandão, Joyce, Novo Romance, etc. Porque todos eles me têm sido dados como parentes. Falta quem me dê como parente de mim mesmo. Porque, bons deuses, também sou”.
 
Com efeito, reconhecido internacionalmente e com várias obras traduzidas em diversas línguas, VF recebeu a nível nacional inúmeras condecorações e prémios variados. Agraciado com o colar da Ordem de Santiago por Ramalho Eanes (1979) e condecorado Mário Soares (1989), o escritor foi ainda membro da Academia Brasileira de Letras (1984) e da Academia das Ciências de Lisboa (1992) e recebeu o doutoramento honoris causa da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1993).
Quanto a prémios destacamos: Camilo Castelo Branco da Sociedade Portuguesa de Escritores (1960), Casa da Imprensa (1965), D. Dinis da Casa Mateus (1982), Associação Internacional dos Críticos Literários e do Pen Clube (1983), Município de Lisboa (1985), Associação Portuguesa de Escritores (1987), Femina (1990), bem como o Prémio Europália das Comunidades Europeias (1991) e o Prémio Camões (1992).

“Escrevo para estar vivo”, disse VF. Mas, de facto, o escritor continua vivo! Re(ler) “Aparição” e outros romances, ou os seus “Contos” (1976), como “A Palavra Mágica” e/ou “A Galinha”, ambos recomendados no programa do 9º. ano, será a melhor homenagem a prestar. E, quiçá, uma “Escapadela Literária” que nos dê a vivência dos seus passos na Beira e na sua aldeia de Melo, no concelho de Gouveia, cuja Biblioteca Municipal tem o seu nome, lhe dedica uma sala específica e organiza um roteiro de visitas.

Escrito por Professor aposentado
Álvaro Nunes


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