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AGUSTINA BESSA-LUÍS - PARA SEMPRE
Por Carla Manuela Mendes (Professora), em 2019/06/24657 leram | 0 comentários | 191 gostam
“Nasci adulta e morrerei criança”
De facto, a escritora Agustina Bessa-Luís faleceu no início de junho, com 96 anos, ainda criança. E a obra infanto-juvenil “Dentes de Rato” é provavelmente a prova escrita dessa vivência da criança adulta.
Realmente, “Dentes de Rato” é quase uma autobiografia da escritora, que passou a sua infância em Vila Meã, Amarante, aqui tão perto de nós, local onde nasceu em 15 de outubro de 1922. E a região de Entre-Douro-e-Minho foi de facto o espaço essencial da sua vida, vivenciada entre a infância em Vila Meã e os estudos na Póvoa de Varzim para onde o pai fora trabalhar como diretor do casino. Mais tarde, o Porto, seria a sua cidade de eleição, na qual passaria a residir a maior parte da sua vida.

Com efeito, Lourença a protagonista de ”Dentes de Rato” é provavelmente um pouco a imagem da autora, enquanto criança “nascida adulta”, na qual se revê a rapariga imaginativa e criativa, que sonhava acordada:

“O que mais gostava de fazer era comer maçãs e deitar-se para dormir. Mas não dormia. Fechava os olhos e acontecia-lhe então uma aventura bonita, e conhecia gente maravilhosa”, pois a sua cama transformava-se numa jangada e navegava pelos sete mares, ou era palco de inúmeras cenas em que os travesseiros eram personagens cheias de carácter”.

Ora, “Dentes de Rato”, porque “os dentes dela eram pequenos e finos, e pela mania que ela tinha de morder a fruta que estava na fruteira e deixar lá os dentes marcados”, é com efeito a marca fundamental da sua obra infanto-juvenil, pois Agustina, como todos os grandes escritores, também não esqueceu os mais novos.
Mas é igualmente uma marca da rebeldia e do carácter da autora, que Lourença protagoniza, mesmo nos ambientes mais íntimos e familiares. Com efeito, e apesar de gostar muito dos seus três irmãos, Lourença não tinha com eles uma relação de proximidade:

“Lourença tinha três irmãos. Todos aprendiam a fazer habilidades como cãezinhos, e tocavam guitarra ou dançavam em pontas dos pés. Ela não. Era um bocado infeliz para aprender, e admirava-se de que lhe quisessem ensinar tantas coisas aborrecidas e que ela tinha de esquecer o mais depressa possível”..

Realmente, a sua sabedoria ensinou-lhe que “ninguém ensina tão bem como a necessidade; aquilo que aprendemos antes do tempo não se aprende verdadeiramente, só se acumula na cabeça“ e, portanto seria desnecessário, porque “o coração não toma parte”.
Lourença é de facto uma criança diferente na vida familiar e na escola, que desde muito cedo aprendeu a refugiar-se no íntimo da sua imaginação e a viajar pelas sensações como “o cheiro acanela em cima do creme quente, o cheiro da cera no chão e da água em que misturou o sabonete”

Mas, em “Dentes de Rato” há também uma história da ligação à natureza e amor pelo Norte e as suas tradições, bem como uma abordagem sobre o papel da mulher na sociedade.

Todavia, aos 9 anos, no final do verão, Lourença perderia os seus “dentes de rato” e despedia-se dos bibes de criança, iniciando a pré-adolescência das “birras que lhe davam para não comer”.
Deste modo, Lourença vai crescer e reaparecer três anos mais velha, quando se descobre escritora, na obra “Vento, Areia e Amora Bravas”. Um livro que retrata o ambiente familiar vivido pela personalidade forte, engraçada e vigorosa de Lourença, na sua alegria e imaginação da pré-adolescência à juventude., que tem por cenário privilegiado a casa e as memórias, mas também os passeios à praia, as escapadelas ao cinema, os amores e as amizades e os conflitos e consensos.
No fundo, duas obras infanto-juvenis a merecer uma (re) leitura.

Contudo, Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa, assim é o seu nome de batismo, publicaria ainda várias dezenas de livros, entre o s quais “A Sibila”, “Vale Abraão”, “Fanny Owen” e “A Quinta Essência”, provavelmente os títulos mais referenciados. Efetivamente, para além de alguns (poucos) livros infanto-juvenis, a autora escreveu sobretudo romances e ainda algumas peças de teatro, assim como biografias, ensaios, memórias e crónicas; e seria ainda diretora do Teatro Nacional D. Maria II e assídua colaboradora de diversas revistas e jornais, entre os quais o “Primeiro de Janeiro”, diário portuense do qual seria diretora.
Curiosamente, o seu casamento com o advogado Alberto Luís, seria consumado através dum anúncio, publicado no Primeiro de Janeiro:
“Jovem instruída procura correspondência com pessoa inteligente e culta”
Assim era, antes do facebook e afins!

Agustina seria ainda distinguida com diversas condecorações em Portugal e França, bem como inúmeros prémios, salientando-se, entre muitos, o Prémio D. Dinis (1980), o Grande Prémio do Romance e Novela (1993) e o prestigiado Prémio Camões (2004).
Ademais, para além do seu prestígio e genialidade, que se traduziram em oito idiomas diferentes, a escritora foi ainda alvo de 8 adaptações cinematográficas da sua obra, sete das quais por Manoel de Oliveira e uma por João Botelho, bem como da adaptação teatral do romance “As Fúrias”

Escritora multifacetada, “Agustina Bessa Luís, no que respeita especificamente ao romance, resolve, mais do que nenhum outro romancista português do nosso século, a velha e fácil oposição Camilo-Eça”, escreve Álvaro Manuel Machado. Porém, também não ficou indiferente ao neorrealismo, pois “A Sibila (…) é um texto tipicamente modelado dentro do quadro neorrealista” e é claramente notória a influência de Raul Brandão e “Húmus” na sua obra.
Em súmula, um escritora ímpar da nossa língua, de genialidade serena e elegante, de obra intemporal e imortal.

Texto
de
Álvaro Nunes
















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