80 ANOS DO NASCIMENTO DE ARY DOS SANTOS | |
Por António Loureiro (Professor), em 2017/10/30 | 1416 leram | 0 comentários | 200 gostam |
No próximo dia 7 de dezembro perfazem 80 anos do nascimento de José Carlos Ary dos Santos (1937-1984), um dos mais talentosos poetas da sua geração e autor de centenas de poemas cantados e musicados deste país | |
80 ANOS DO NASCIMENTO DE ARY DOS SANTOS No próximo dia 7 de dezembro perfazem 80 anos do nascimento de José Carlos Ary dos Santos (1937-1984), um dos mais talentosos poetas da sua geração e autor de centenas de poemas cantados e musicados deste país. Poeta do povo e de Abril “sempre fraterno e cúmplice na primeira linha do combate; poeta generoso e lúcido, que mascarava, com manto diáfano dos excessos a sua íntima e profunda solidão”, Ary dos Santos é, na perspetiva de Domingos Lobo, “o poeta solidário, morrendo aos poucos de ternura; o poeta dos instantes, dos dias altos, levantados, irrepetíveis de Abril”. “As Portas que Abril Abriu”, datado de 1975 é de facto um hino à Revolução dos Cravos, que conta a história deste país e canta a força revolucionária da aliança do povo e das suas forças armadas: “Era uma vez um país onde entre o mar e a guerra vivia o mais infeliz dos povos à beira-terra. (…) Foi esta força sem tiros de antes quebrar que torcer esta ausência de suspiros esta fúria de viver este mar de vozes livres sempre a crescer, a crescer que das espingardas fez livros para aprendermos a ler que dos canhões fez enxadas para lavrarmos a terra e das balas disparadas apenas o fim da guerra. Foi esta força viril de antes quebrar que torcer que em vinte cinco de Abril fez Portugal renascer”. (…) Ary dos Santos foi também ele próprio, pela sua idiossincrasia , um homem de espírito rebelde e revolucionário. Com efeito, nascido e oriundo de um família da alta burguesia de Lisboa, viria a abandonar a vida familiar com apenas 16 anos, sobrevivendo a suas custas na venda de máquinas para pastilhas, como paquete e escriturário e, posteriormente, na área da publicidade, atividade profissional que lhe granjearia vários êxitos, graças à sua criatividade. Irreverência que manifestaria ainda no seu percurso estudantil, que o leva à expulsão do Colégio Infante Sagres e consequente transferência para o Instituto Nuno Alvares, um colégio jesuíta de Santo Tirso; e, ainda, a frequentar, sem sucesso, as Faculdades de Direito e Letras, em Lisboa, aonde regressaria. Mais tarde, em 1969, filia-se no Partido Comunista, no qual, paralelamente à sua atividade política, organiza sessões de poesia, denominadas ”canto livre perseguido”. É neste seu “Auto-retrato” caricatural, inserido em “Fotos-Grafias”, livro apreendido pela PIDE em 1971, no qual são retratados vários outros vultos das letras, que o poeta revela algumas das suas facetas: “Poeta é certo mas de cetineta Fulgurante de mais para alguns olhos Bom artesão na arte da proveta narciso de lombardas e repolhos. Cozido à portuguesa mais as carnes Suculentas da auto-importância Com toicinho e talento ambas partes Do meu caldo entornado na infância. Nos olhos uma folha de hortelã Que é verde como a esperança que amanhã Amanheça de vez a desventura. Poeta de combate disparate Palavrão de machão no escaparate Porém morrendo aos poucos de ternura”. De facto, Ary dos Santos viria a falecer vítima de uma cirrose, devido à sua vida algo desregrada no tabaco e na bebida, numa vivência sempre plenamente assumida, quer na sua homossexualidade quer no combate político. Hoje encontra-se recordado postumamente no Bairro de Alfama numa lápide evocativa na Casa da Rua da Saudade, onde praticamente viveu toda a sua vida. Quanto à sua obra, inicia-se ainda adolescente, em 1954, com uma seleção de poemas seus para a Antologia do Prémio Almeida Garrett, a que se seguem várias publicações ao longo da sua efémera vida. No entanto, a sua estreia literária ocorre apenas em 1963 com a edição do livro de poemas “A Liturgia do Sangue”, do qual transcrevemos passagens do poema “Kyrie”: Em nome dos que sonham com palavras De amor e paz que nunca foram ditas (…) Em nome dos que pedem em segredo A esmola que os humilha e destrói (…) Em nome dos que dormem ao relento Numa cama de chuva com lençóis de vento (…) Em nome dos teus filhos que esqueceste, Filho de Deus que nunca mais nasceste, Volta outra vez ao mundo!”. Paralelamente, fica também na memória o contributo de Ary dos Santos para a renovação da música portuguesa. Com efeito, são da sua autoria os poemas de quatro canções vencedoras do Festival RTP da Canção como “Desfolhada” (1969), interpretada por Simone de Oliveira, “Menina do Alto da Serra” (1971), pela voz de Tonicha, “Tourada” (1973), cantada por Fernando Tordo e ainda “Portugal no Coração” (1977) com interpretação do grupo “Os Amigos”. Mas contam-se também entre os seus êxitos “Cavalo à Solta”, cantado por Fernando Tordo, “Lisboa, menina e moça”, “Os Putos” e “Estrela da Tarde”, pela voz de Carlos do Carmo, a que se ajuntam outros poemas interpretados por Mariza, Mafalda Arnauth, Paulo de Carvalho e fados de Amália Rodrigues, entre os quais sobressaem “Meu amor meu amor”, “Amêndoa Amarga”, “Rosa Vermelha” e “Alfama”. De destacar ainda as suas parcerias com compositores como Nuno Nazaré Fernandes, Alain Oulman, José Mário Branco e António Victorino de Almeida, sendo ainda de realçar a sua estreita colaboração discográfica com Carlos do Carmo no LP “Um Homem da Cidade” (1977) e no álbum “Um Homem no País” (1984). Outrossim, graças à sua voz vibrante e teatralidade, uma outra faceta marcante é a de declamador, discograficamente registada em “Ary por si próprio” (1970), “Cantigas de Amigos” (1971), “Poesia Política” (1975), “Ary por Ary” (1979) e “Ary 80”, reeditado em CD em 1999. Há pois pano(s) para mangas para (re)ler, (re)cantar e recordar Ary dos Santos, que em “Resumo”(1973), no seu poema “Poeta Castrado, Não!”, proclama assumptivo e convictamente: “Serei tudo o que disserem por inveja ou negação; cabeçudo, dromedário fogueira de exibição teorema, corolário (…) Serei tudo o que disserem Poeta castrado, não!” (…) (Re)ler “Ary – Obra Poética”, assim se intitula a antologia reeditada pela edições Avante, é portanto imperioso para conhecer o “poeta de Lisboa e do seu povo, de Portugal e de Abril”, numa obra simultaneamente popular e erudita, condimentada com doses de amor e de luta … Texto escrito por, Professor Álvaro Nunes | |
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