21 DE MARÇO - DIA MUNDIAL DA POESIA (I) | |
Por António Loureiro (Professor), em 2017/02/06 | 1093 leram | 0 comentários | 172 gostam |
Recordemos António Nobre e Camilo Pessanha ,que curiosamente conviveram entre si e integrariam o denominado grupo dos Nefelibatas a propósito do Dia Mundial da Poesia. | |
Além de Raúl Brandão, dois poetas portugueses nasceram em 1867: António Nobre e Camilo Pessanha, que curiosamente conviveram entre si e integrariam o denominado grupo dos Nefelibatas. Assim, nestes 150 anos dos seus nascimentos, recordamos ambos os poetas, a propósito do Dia Mundial da Poesia. António Nobre (1867-1900), nasceu no Porto no seio de uma família burguesa, onde viveria, antes de rumar a Coimbra para estudar Direito, em 1888. É nesta cidade, bem como em Paris, para onde partiu em 1890, que inicia sua produção poética, caracterizada por uma estética lírica de um certo epigonismo neorromântico e neogarrettiano, de postura egocêntrica, cujas principais composições viriam a integrar a coletânea “Só” (1892), a sua única obra publicada em vida. Obra sobre a qual o próprio poeta lança um alerta prévio, nos versos finais do poema Memórias: “Mas, tende cautela, não vos faça mal …/Que é o livro mais triste que há em Portugal!”. Triste e curta seria porém a sua vida. Com efeito, vitimado por uma incurável doença pulmonar, não chega a ocupar o lugar de cônsul que obtivera em Paris, acabando por regressar a Portugal em 1893, após várias tentativas de cura nos ares da Suíça e Madeira. De facto, na obra de António Nobre há claramente marcas de um certo biografismo emotivo e lirismo pessoal, intrinsecamente marcados pelo fatalismo sinistro e predestinação para a infelicidade, como se verifica por exemplo no poema “Viagens na Minha Terra”: “Serás poeta e desgraçado!/Assim se disse, assim se fez”, e/ou ainda, entre outros, como no poema “António”: “Ao mundo vim em terça-feira Um sino ouvia-se dobrar (…) Vim a subir pela ladeira E, numa certa terça-feira, Estive já pra me matar”. Um certo pessimismo agónico e desejo da morte são com efeito tónicas fulcrais da lírica nobriana, evidentes em vários poemas, como por exemplo “Ah, deixem -me dormir”, do qual destacamos a seguinte passagem: “Vamos! Depressa! Vem, faz-me a cama, Que eu tenho sono, quero-me deitar! Ó velha Morte, minha outra ama! Para eu dormir, vem dar-me de mamar”. Uma desilusão que não só é pessoal como também política ( “Vês teu país sem esperança/Que todo alui à semelhança/Dos castelos que ergueste no Ar?”), numa evidente diagnose da condição portuguesa e da condição humana finissecular de decadência e miséria. Condição humilhante que o soneto “Natal dum Poeta” corrobora no verso final: “Que desgraça nascer em Portugal!”. Porém, é a nível individual que vida de dor mais se sente, conduzindo a um certo niilismo e anseio da morte como solução apaziguadora: “ E a vida foi, e é assim, e não melhora Esforço inútil. Tudo é ilusão. Quantos não cismam nisso mesmo a esta hora Com uma taça, ou um punhal na mão! Mas a arte, o lar, um filho, António? Embora! Quimeras, sonhos, bolas de sabão. E a tortura do Além e quem lá mora! Isso é, talvez, minha única aflição. Toda a dor pode suportar-se, tudo! Mesmo a da noiva morta em plena boda, Que por mortalha leva … essa que traz. Mas uma não: é a dor do pensamento! Ai, quem me dera entrar nesse convento Que há além da morte e que se chama a PAZ! A evocação nostálgica da infância é outra das linhas temáticas predominantes do poeta, evidente em alguns sonetos, nos quais o sujeito lírico contrapõe o passado feliz e inocente ao presente de desencanto, buscando a evasão no tempo e no espaço. O soneto transcrito é elucidativo desta cosmovisão: “ Aqui, sobre estas águas cor de azeite, Cismo em meu Lar, na paz que lá havia: Carlota, à noite, ia ver se eu dormia E vinha, de manhã, trazer-me leite. Aqui, não tenho um único deleite! Talvez … baixando, em breve, à Água fria, Sem um beijo, sem uma Ave-Maria, Sem uma flor, sem o menor enfeite! Ah, pudesse eu voltar à minha infância! Lar adorado, em fumos, à distância, Ao pé de minha irmã, vendo-a bordar: Minha velha Aia! Conta-me essa história Que principiava, tenho-a na memória “Era uma vez …”. Ah, deixem-me chorar! Outros sonetos como “Menino e Moço”, “Meus dias de rapaz, de adolescente”, entre outros, poderiam ser aqui aludidos relativamente à evocação saudosa da infância e/ou ao desencanto. É o caso do soneto abaixo transcrito, no qual o sujeito lírico, baseado no jogo etimológico condado/conde, expressa essa desilusão: “Na praia lá da Boa Nova, um dia Edifiquei (foi esse o grande mal), Alto castelo, o que é a fantasia, Torres de lápis-lazúli e coral. Naquelas redondezas, não havia Quem se gabasse dum domínio igual: Oh, castelo tão alto! Parecia O território de um senhor feudal! … Um dia (não sei quando, nem sei donde) Um vento agreste de indiferença e spleen Lançou por terra ao pó que tudo esconde. O meu condado – o meu condado, sim! Porque um já fui um poderoso conde Naquela idade em que se é conde assim … Outra linha temática centra-se na proliferação de manifestações de atração e apego ao folclórico, quer pelas paisagens e gentes portuguesas, quer pelas suas tradições e costumes. O soneto “Poveiro” é um exemplo concreto, do qual respigamos a seguinte quadra: “Poveirinhos! Meus velhos pescadores Na água quisera com vocês morar: Trazer o lindo gorro de três cores Mestre da lancha, deixai-nos passar!” Contudo é porventura no extenso poema “Lusitânia no Bairro Latino” que esse nacionalismo saudosista perpassa sobre o seu “país de marinheiros … das naus de esquadras e de frotas” , bem como as suas romarias e procissões: “Georges! Anda ver meu país de romarias E procissões! Olha essas moças, olha estas Marias! Caramba! Dá-lhes beliscões! Os corpos delas, vê! São ourivesarias, Gula e luxúria dos Manéis! (…) Toca a bailar! Dá-lhes beijos, aperta-as contra o peito, Que hão-de gostar!” “Precursor da poesia moderna”, como o considera João Gaspar Simões e “o primeiro a pôr em europeu o sentimento português das almas e das coisas”, como advoga Fernando Pessoa, António Nobre é indubitavelmente um poeta que merece ser (re)lido e recordado. Texto da autoria de Álvaro Nunes | |
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