2107, UM ANO DE CENTENÁRIOS | |
Por António Loureiro (Professor), em 2017/02/15 | 677 leram | 0 comentários | 153 gostam |
Várias efemérides centenárias, históricas e artísticas, ocorrem no decurso deste ano de 2017. | |
Com efeito, em 1917 aconteceu a Revolução Russa, celebram-se 100 anos das Aparições de Fátima, com a visita do papa Francisco a Portugal e do ponto de vista artístico comemora-se o nascimento do pintor Júlio Resende, bem como da apresentação do “Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX”, a propósito do qual abriu na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a exposição antológica “José de Almada Negreiros, uma Maneira de Ser Moderno”, que reúne cerca de 400 peças da obra do artista. Mas também o tricentenário da colocação da primeira pedra da Basílica do Palácio Nacional de Mafra, consagrado literariamente no romance de José Saramago “Memorial do Convento”; e ainda os 500 anos da representação da peça vicentina “Auto da Barca do Inferno” e da Reforma Protestante de Martinho Lutero, enquanto localmente passa também o 5º. centenário do Foral Manuelino de Guimarães, datado de 1517. Factos e acontecimentos que aqui e agora, nestas breves linhas, dilucidaremos apenas em duas ocorrências, por limitações de espaço. 1. Almada Negreiros e o Ultimatum Futurista de 1917 Coube a Almada Negreiros (1893-1970), vestido de operário, apresentar no Teatro da República, em 1917, a conferência intitulada “Ultimatum Futurista à Gerações Portuguesas do Século XX”, manifesto vanguardista que abriria as portas ao modernismo português. Poeta, escritor , ator, bailarino, cenógrafo, desenhador, pintor, mas também dramaturgo, ensaísta, crítico de arte e conferencista, Almada Negreiros é considerado um artista “total”, que com o seu ultimatum futurista provocaria elementos de rutura e inovação na cosmovisão estética da época. Deste modo, Jorge de Sena referencia-o “pela sua obra plástica, que o classifica entre os primeiros valores da pintura moderna; pela sua obra literária, que vibra de uma igual e poderosa originalidade; pela sua ação pessoal através de artigos e conferências, (…) uma das mais notáveis figuras da cultura portuguesa, e uma das que mais decisivamente contribui para a criação, prestígio e triunfo de uma mentalidade moderna entre nós”. Visionário, agitador, iconoclasta e icónico, é efetivamente difícil imaginar um artista que encarne de forma mais efetiva a ideia de vanguarda em Portugal: “os meus olhos não são os meus olhos, são os olhos do século” – diria convictamente. Quanto ao Ultimatum Futurista, recebido com algum escândalo e repercussão na imprensa, é acima de tudo um documento crítico e doutrinário de exaltação de um novo patriotismo, perante a falta de orgulho nacional, que revela fundamentalmente um desgosto pelas tradições literárias românticas e saudosistas, cujos poetas, afirma, “só cantam a tradição histórica (…) e são portanto insensíveis às expressões do heroísmo moderno”. Assim, não se estranha que a sua produção literária assente primordialmente em posições estéticas contestatárias, com intuitos provocatórios contra usos e costumes, instituições e pessoas (leia-se o Manifesto anti-Dantas), em especial a burguesia: “Ó burguesia! Ó ideal com i pequeno! Ó ideal ricocó dos Mendes dos Possidónios! Ó cofre de indigentes Cuja personalidade é a moral de todos! Ó geral da mediocridade! Ó choque ignóbil do vulgar, protagonismo do normal! Ó horror! Os burgueses de Portugal Têm pior que os outros O serem portugueses!” Daí, subsequente, o grito radical do Ultimatum Futurista: “atirai-vos independentes para a sublime brutalidade da vida. Criai a vossa experiência e sereis os maiores”. 2. Foral Manuelino de Guimarães, de 1517 A Carta de Foral da Vila de Guimarães de D. Manuel I é um documento escrito em vinte folhas d e pergaminho, incluindo a tabuada e índice, cujo frontispício iluminado a cores e a ouro apresenta as armas portuguesas entre duas esferas. Encadernado em capas de madeira cobertas de couro, tendo ao centro em chapas de latão as mesmas armas e nos ângulos as esferas. Esta carta de lei concedida pelo rei, que consta do acervo documental da Sociedade Martins Sarmento, visava regular o modo de administração, o modo de cobranças de impostos e os privilégios da localidade, corporizando os direitos e as liberdades dos habitantes de Guimarães, pelo que constitui um documento informativo relevante para a compreensão da vida vimaranense no início do século XVI. De facto o foral estabelece de que modo se devem pagar e arrecadar rendas e outros direitos, em especial sobre as contribuições referentes às atividades económicas, como por exemplo a açougagem (venda de carnes) e a brancagem (direito a pagar pelas padeiras por cada amassadura de pão que coziam), entre muitas outras. De igual modo, fixa em onze o número de tabeliães de Guimarães e regula a pena de armas, ou seja, as situações de uso indevido de armas, assim como as isenções respetivas, entre as quais constam as pessoas que “castigando sua mulher e filhos e escravos e criados tirarem sangue”. Do foral constava ainda a regulamentação do “gado de vento”, isto é, animais tresmalhados , bem como o pagamento e isenções de portagens na passagem pela vila de pessoas e bens. Outrossim, estabelecia ainda alguns privilégios como a isenção do pagamento de direitos por parte dos eclesiásticos e clérigos de ordens sacras, assim como a pena de foral aplicável aos incumpridores: “qualquer pessoa que for contra este nosso foral levando mais direitos dos aqui nomeados ou levando destes maiores quantias das aqui declaradas o havemos por degradado por um ano fora da vila e termo”. De facto, quanto a isenções, privilégios e honras concedidas aos habitantes de Guimarães, designadamente em forais anteriores e outros documentos reais, o burgo vimaranense é sobejamente contemplado. Por exemplo, o rei D. Dinis exclui os habitantes de Guimarães do pagamento de portagens em todo o reino e concede-lhes regalias únicas: “ todo o homem, ou pessoa, que por todo o seu reino disser mal, ou doestar homem de Guimarães, morra por ele morte de traidor, isto pelos serviços grandes que lhe tem feito seus antecessores”. Por seu turno, o rei D. João I manda “se não tome aos lavradores de Guimarães algum filho para a guerra, não tendo outro”. No fundo, regalias que reconhecem o papel desta terra e suas gentes na formação da nação. Texto escrito por, Álvaro Nunes | |
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