130 ANOS DE FERNANDO PESSOA | |||||
Por António Lourenço (Professor), em 2018/06/04 | 714 leram | 0 comentários | 158 gostam | ||||
No próximo dia 13 de junho comemoram-se 130 anos do nascimento de Fernando Pessoa (1888- 1935), uma das mais marcantes personalidades literárias portuguesas e europeias do século XX. | |||||
Com efeito, Fernando António Nogueira Pessoa, ele próprio António de nome, nasceu em Lisboa no dia de Santo António, e é certamente um daqueles portugueses que, apesar de fisicamente falecido, ao que consta, devido a uma crise hepática, “se vão da lei da morte libertando”… Porém, Pessoa teve uma vida fatidicamente marcada desde a infância. De facto, com apenas 5 anos perdeu o pai e no ano seguinte o irmão Jorge, deixando bem cedo a sua Lisboa natal e partindo para a África do Sul, na companhia de sua mãe e padrasto. Ali viveria entre os sete e os dezassete anos, estudaria e também escreveria os seus primeiros poemas, geralmente sob o pseudónimo Alexander Search. Já de regresso a Lisboa, com a intenção de ingressar no Curso Superior de Letras, que acabaria por abandonar, sobrevive como correspondente comercial de inglês. Simultaneamente, inicia a sua atividade literária, colaborando em diversas publicações da época, que haveria de culminar com a criação da revista Orpheu (1915), uma iniciativa conjunta com Mário Sá-Carneiro e Almada Negreiros: um projeto que assinalaria o advento e a afirmação do chamado Modernismo português. Datam porém e apenas dos seus tempos de vida duas obras publicadas: os Poemas Ingleses e a obra “Mensagem”. Com efeito, toda a sua vasta produção literária só seria publicada “post mortem” e ainda hoje textos diversos são “descobertos” no seu espólio literário, originando novas (re)edições e estudos. De facto “Mensagem” (1934), livro épico-lírico abordado brevemente no 9º. ano e mais tarde tratada com (mais) profundidade no ensino secundário, é a única obra completa publicada em vida de Pessoa. Uma obra que ao longo dos seus 44 poemas, nos faculta uma visão mítica da pátria e que reconhecidamente é um legado fundamental da poesia portuguesa. Uma obra que canta um Portugal em declínio, a necessitar de uma novo estado de alma, mas que relembrando o heroísmo do passado, incentiva ao sonho de um novo império civilizacional. O poema “Mar Português” é um exemplo elucidativo desse espírito de que o valor da Pátria tudo justifica (mesmo o sacrifício pessoal), pois atingir o objetivo implica sofrimento. De facto, para se conquistar o céu, é necessário vencer os perigos e o abismo, que estão no mar, pois este é o reflexo da vontade divina: “Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! (…) Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.” Todavia, ainda no âmbito das suas criações literárias em seu próprio nome (Pessoa ortónimo), na qual coexistem a vertente tradicional e a modernista, o poeta expressa sobretudo a dor de pensar e revela a sua despersonalização, enquanto fingidor artístico, como o demonstra no poema “Autopsicografia”: “ O poeta é um fingidor Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente” (…) Paralelemente, surge também a nostalgia da infância, ele que foi “criança contente de nada” e sente saudade da ternura que lhe passou ao lado: “Quando as crianças brincam E eu as oiço brincar, Qualquer coisa em minha alma Começa a se alegrar. E toda aquela infância Que não tive me vem, Numa onda de alegria Que não foi de ninguém” (…) No entanto, o poeta vai ainda mais longe e sente-se outro. Deste modo, “outra-se” , isto é, cria novos “eus”, tornando-se múltiplo sem deixar de ser um. Surgem assim os chamados heterónimos, que “são personagens à procura do autor. São personagens de um drama. Cada um é diferente dos outros e fala e procede com tal qual é”. São os seus companheiros psíquicos, entre os quais sobressaem: Alberto Caeiro, o poeta das sensações, da natureza e simplicidade; Ricardo Reis, o poeta da indiferença cética, que vive o drama da fugacidade da vida e da fatalidade da morte; Álvaro de Campos, o poeta da vanguarda e do futurismo que exalta a civilização industrial; ou ainda o semi-heterónimo Bernardo Soares, autor do “Livro do Desassossego”, com toda a dramaticidade das reflexões humanas. Contudo, mais do que falar sobre Pessoa, deixemos que ele próprio se expresse pela sua voz poética e pelas suas vozes múltiplas. Assim, em Caeiro, por exemplo, sobressai sobretudo a felicidade na vida simples, em comunhão com a natureza: “Sou um guardador de rebanhos O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. (…) Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Me sinto triste de gozá-lo tanto, E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado na realidade Sei a verdade e sou feliz. Por seu turno, em Ricardo Reis perpassa a serenidade epicurista e a busca da felicidade relativa, conseguida pela indiferença e recusa da perturbação: “Segue o teu destino,/Rega as tuas plantas/ Ama as tuas rosas/O resto é a sombra/De árvores alheias” – preconiza Reis tranquilamente, sem esforços ou preocupações. Ademais, perante o sentimento da fugacidade da vida e o futuro imprevisível, que o leva a afirmar que “amanhã não existe”, Reis refugia-se no “carpe diem”, ou seja, no aproveitamento do momento e do prazer em cada instante: “Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê tudo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. (…) Em Álvaro de Campos, por sua vez, revela-se o poeta apologista da civilização industrial e novas sensações, dessa “nova revelação metálica e dinâmica de Deus”, mas também um certo cansaço e melancolia perante as incapacidades das realizações. Por isso, em “Apontamento” escreve: “A minha obra? A minha alma principal? A minha vida? Um caco”. Este foi o drama em vida de Pessoa, enquanto poeta e pessoa… Texto escrito por Álvaro Nunes | |||||
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