100 ANOS DA VIDA LITERÁRIA DE FERREIRA DE CASTRO | ||||||
Por António Loureiro (Professor), em 2016/02/22 | 1186 leram | 0 comentários | 144 gostam | |||||
Iniciaram-se este mês as celebrações do centenário da vida literária de Ferreira de Castro, escritor intimamente ligado às Caldas das Taipas. | ||||||
Estreando-se na vida literária em 1916, com a publicação do romance juvenil “Criminoso por Ambição”, José Maria Ferreira de Castro (1898-1974) , filho de pais pobres, nascido em Ossela (Oliveira de Azeméis), revelar-se-ia como um dos mais importantes romancistas portugueses do último século. Ora, precocemente Ferreira de Castro (FC) viria a experimentar as dificuldades da vida, que haveriam de perpassar em sua obra. De facto , com apenas 12 anos e após ter terminado os estudos primários, o jovem FC deixou abandonou Ossela, nas margens do Caima e emigrou para o Brasil, para trabalhar como empregado de armazém no seringal Paraíso, no inferno da selva amazónica e posteriormente como embarcadiço e na colagem cartazes. Realmente datam dessa altura, durante os anos em que viveu em Belém do Pará, os seus primórdios literários . Porém, só após o seu regresso a Portugal em 1919 e ingresso no jornalismo, entre a década 20 e 30, viria a revelar-se como romancista conceituado, depois de algumas experiências novelísticas entre 1923 e 1927. Por seu turno, no jornalismo, funda revistas, colabora nos jornais “O Século” e “O Diabo” e acima de tudo escreve crónicas vibrantes, que o distinguem no seio da imprensa da época. Contudo, só após a publicação de “Emigrantes” (1928), obra ficcional em que manifesta os seus ideais humanísticos e sociais, cujo protagonista (Manuel da Bouça), tal como ele, parte de Oliveira de Azeméis para o Brasil, seguida de “A Selva” (1930), mais tarde adaptada a cinema, que fala da selva amazónica onde trabalhou, é que FC vem a alcançar o êxito. Com efeito, “A Selva” chega a ser dos romances mais lidos em todo o mundo, transmitindo uma forte mensagem de justiça para todos e fraternidade entre os homens, tornando-o reconhecido como um escritor de um realismo social novo ” vivido e posto à prova numa experiência pessoal drasticamente sofrida e na observação franca, corajosa e simples de mundos humanos nunca anteriormente revelados” e que alguns críticos prenunciam como precursor do neorrealismo português. Assim, FC exprimiria ainda em Portugal, segundo o citado Álvaro Salema, uma “expressão precursora do romance moderno de inspiração populista e de sugestão ético-social que viria a tomar a forma mundialmente representativa em escritores de poderosa expressão “, entre os quais cita John Steinbeck e Jorge Amado, este último um dos seus grandes amigos e admirador. Deste modo, em FC sente-se uma técnica narrativa colhida diretamente da verdade existencial, em estilo simples e expressão clara e comunicativa, que espelha a convicção de que a literatura deve ser “espelho fiel, como nenhum outro, dos sentimentos e inquietações de uma época” e um “verídico documento humano (…) do mais agitado e intenso período que a Humanidade até hoje viveu”. Mais tarde, mas ainda na esteira do seu ciclo dos romances inspirados na experiência pessoal e observação experimentada, FC passa a focar-se preferencialmente no mundo rural miserável, protagonizado por gente singela e pobre, de que são provas documentais as publicações de “Eternidade” (1933), passado na Madeira, “Terra Fria” (1934) cuja ação decorre entre os humildes habitantes do Barroso e “A Lã e a Neve” (1954), história dos pastores e do proletariado têxtil da Serra da Estrela. A ajuntar a este ciclo, escreve também livros de viajante alusivos à “descoberta e desvendamento da experiência histórica e social da humanidade”, obras certamente motivadas pela falta de liberdade de expressão do regime salazarista, de que são exemplo “Pequenos Mundos e Velhas Civilizações” (1949) e “A Volta ao Mundo” (1940/44), bem como, numa fase seguinte, obras mais vincadamente direcionadas para a “análise mais complexa dos conflitos interiores em equação com realidades sociais e históricas mais vastas” , consubstanciada em publicações como “A Curva da Estrada” (1950), sobre a guerra civil espanhola, “O Instinto Supremo” (1968) e “A Missão” (1954). Contudo, o reconhecimento do seu legado literário obteria acima de tudo grande eco e entusiamo em Portugal e no Brasil, em 1968, aquando do cinquentenário da sua obra e apresentação pela União Brasileira de Escritores da sua candidatura ao prémio Nobel de Literatura, conjuntamente com Jorge Amado, bem como com a atribuição do Prémio Internacional Águia de Ouro do Festival do Livro de Nice Todavia, para além destas distinções, . Ferreira de Castro foi ainda presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores e destacou-se como acérrimo resistente ao regime salazarista, que se manifestou na sua adesão aos movimentos democráticos do seu tempo e em atitudes cívicas de contestação à censura. De salientar ainda que o escritor detém laços estreitos com o concelho vimaranense, especialmente com as Caldas das Taipas, local em que desde a década 50 passava parte das suas férias, hospedando-se no Hotel das Termas, pelo que supostamente, a vila taipense figura entre as sete localidades em que FC redigiu “Instinto Supremo” (1965/1967). As Caldas das Taipas que num texto inédito de 29 de setembro de 1963, publicado no “Notícias de Guimarães”, sob o título “A terra onde a lua fala”, escreve: “(…) tenho residido em vários povoados do Minho, sobretudo nas Caldas das Taipas, onde o Ave, de dia, e a lua, de noite falam comigo”. Por esta ligação, o escritor foi alvo de várias homenagens na vila taipense, realçando-se a cerimónia de 17 de abril de 1971, na qual seria inaugurado um busto em seu preito, iniciativa que entre outros oradores contou com Santos Simões, em nome do Círculo de Arte e Recreio e posteriormente na passagem do centenário do seu nascimento, em 1999. Recordo também aqui com saudade as várias leituras de FC , na minha adolescência, que moldaram parcialmente a minha maneira de ser. E ainda, a Escapadela Literária que o Agrupamento de Escolas Gil Vicente lhe dedicou, na visita à sua casa-museu e Centro de Estudos na sua terra natal. Uma revisitação que se recomenda proximamente, desta feita à sua casa-museu, em Sintra, onde viveu e a seu pedido foi sepultado. Álvaro Nunes | ||||||
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